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O projeto nuclear da Marinha
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SEGREDOS, APESAR DA AUDIÊNCIA PROBLEMAS TRABALHISTAS |
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uas audiências públicas - em 20 e 27 de maio, respectivamente em Sorocaba e São Paulo - reavivaram o debate em torno do projeto Aramar, programa nuclear criado secretamente nos anos 70 pela Marinha Brasileira, e que - após muita pressão popular - foi oficialmente divulgado para o público em 1986. Em nome da Defesa Nacional, este programa prevê a construção de reator nuclear em Iperó, região de Sorocaba, e de submarino nuclear.
As audiências foram fruto de um acordo judicial, fazendo parte do processo de julgamento do EIA/RIMA, ou Estudo e Relatório de Impacto Ambiental para a planta industrial em Iperó. Para recordar: apenas a primeira unidade do Projeto Aramar tem licenciamento ambiental. O restante está sendo desenvolvido, enquanto se cria e julga o Estudo de Impacto Ambiental. No final de 1998, houve uma primeira audiência pública em Iperó, para debater o EIA/RIMA, que foi contestada judicialmente devido a fatores como dificuldade de acesso dos interessados e entrega dos estudos para o público quase na véspera do evento. Por isso, aconteceram as novas audiências.
Desta vez, houve tempo para examinar o Estudo de Impacto. Só que apenas parcialmente. Alegando "segredo industrial" a Marinha não apresentou o volume 2, que conteria dados, como por exemplo o número de ultracentrífugas já existentes em Aramar. Neste sentido, vale lembrar a informação publicada no Urtiga 69, de abril de 1993. Na época, o contra-almirante Othon Pinheiro da Silva declarou que Aramar já possuia 565 ultracentrífugas para o enriquecimento do urânio e previa a construção de mais 162, só naquele ano. A matéria do Urtiga citou reportagem do jornal Gazeta Mercantil que indicava a existência, naquela data, de 3.000 ultracentrífugas em Aramar, e de planos para se chegar a 8.000! Detalhe: quanto mais ultracentrífugas, maior o enriquecimento e, quanto mais enriquecido, mais adequado fica o produto para finalidades bélicas. As Audiências de maio foram marcadas por questões aos responsáveis pelo Projeto Aramar sobre o lixo atômico que já está sendo e que será gerado; possibilidades de acidentes nucleares e suas consequências para o meio ambiente e população, bem como custo de construção e desmontagem do submarino atômico, e problemas de ordem trabalhista.
A questão trabalhista foi colocada pelo Vereador Gabriel Bitencourt, de Sorocaba. Ele lembrou que no mundo os acidentes nucleares têm sido causados essencialmente por falhas humanas. Em Aramar, há serviços terceirizados, existindo um grande número ações de trabalhadores contra a Engepron, que os emprega. A colocação, contestada pelos empreendedores, foi: funcionário descontente pode facilitar acidente. Outra pergunta do vereador abordou uma possibilidade teórica de acidente mais grave, que não existe no Estudo de Impacto. Ele raciocinou em torno da hipótese dos efeitos de um superaquecimento do reator em Aramar. Tecnicamente, sabe-se que uma consequência seria a hidrólise, isto é, a quebra das moléculas da água usada no processo industrial. Isto produz oxigênio e hidrogênio, aumentando a pressão interna do reator. Assim, poderia ocorrer uma explosão, que levaria o material nuclear para a atmosfera. Estudos atmosféricos que constam no EIA/RIMA admitem a possibilidade de ventos ao longo do leito do Rio Sorocaba. Com isso, uma perigosa nuvem nuclear poderia se espalhar na região. Para a pergunta técnica, a resposta foi igualmente técnica: o problema pode ocorrer, sim. Mas, segundo os empreendedores, as chances seriam mínimas.
E quanto custaria o descomissionamento (desmontagem) dos reatores? Esta questão, encaminhada pela AIPA, foi justificada com a constatação de que este é um custo que as futuras gerações terão de pagar. Sob alegação de que isto é um problema menor para o momento atual, a resposta foi vaga: algo em torno de 10 a 15% do valor da construção, o que permitiu a dedução de que desmontar cada um dos submarinos, o que inclui seu reator, custaria até 150 milhões de dólares. Quanto ao destino do lixo nuclear, que leva milhares de anos para perder a força radiativa, a resposta foi: irá tudo para depósitos provisórios. O que se fará definitivamente com este material depende de futuras decisões, que também têm a ver com o lixo nuclear das usinas de Angra, já em operação. Os empreendedores não quiseram especificar quantidades de lixo atômico que será gerado, pois isto permitiria conhecer algum segredo industrial do projeto. Uma audiência pública serve para levantar dados, que serão considerados por quem julga o EIA/RIMA, no caso, o Ibama - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis. Só que, assim como outros ambientalistas, o vereador Gabriel não se considerou satisfeito com as respostas. Por isso, na audiência em São Paulo, reforçou um pedido de visita a Aramar, acompanhado de técnicos de sua confiança, de médico especializado em medicina do trabalho, de deputados estaduais e federais, ambientalistas, imprensa e mais: tendo na mão um contador Geiger (que mede radiatividade). Até o fechamento desta edição, ainda não havia resposta à solicitação.
Em tempo: ao comemorar 14 anos do Acidente de Chernobyl, o governo da Ucrânia anunciou mais uma vez a intenção de fechar esta usina. Foi em 26 de abril de 1986 que ocorreu o vazamento o reator 4 daquela central nuclear, causando o maior acidente nuclear do mundo. A nuvem radiativa espalhou-se na Europa, calculando-se que pelo menos 8 mil pessoas morreram, e milhões de pessoas e animais foram atingidos. Em 1991, a Organização Mundial de Saúde criou um programa de monitoramento de população da região: dos 840 mil habitantes de Belarus, Ucrânia e Federação Russa, 50 mil viviam em áreas perigosas. Em 1996, os primeiros resultados do trabalho indicaram aumento de casos de câncer de tiróide, sobretudo em crianças. Mas estatisticamente não se provou que a causa era o acidente nuclear. Naquela data, já se anunciou a intenção de fechar a usina. Recentemente, agências internacionais de notícias anunciaram que a radiatividade gerada pelo acidente ainda prejudica países europeus..
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