COMPRADOR FINANCIA PRODUTOR
Aconteceu em 1997. Depois de oferecerem um curso de agricultura orgânica
no Ceará, o casal Nina e Richard Charity viu-se diante de um desafio.
Um agricultor pediu ajuda para converter seu pequeno pedaço de
terra para este método. Ele não tinha como viabilizar a
proposta. E quem compraria seus produtos?
"Na época conhecíamos duas organizações
cearenses que trabalhavam com agricultura orgânica, só
para exportação. Então lemos uma reportagem sobre
uma experiência de sucesso em outros países, Community
Supported Agriculture - que traduzimos como Agricultura Motivada pelo
Consumidor - onde consumidores patrocinam a produção,
pagando um fixo mensal em troca de uma cesta semanal de alimentos",
relata Nina.
Para desenvolver a proposta, nasceu a Associação para
o Desenvolvimento da Agricultura Orgânica (Adao).
QUALIDADE DE VIDA
"A atividade agrícola deve garantir qualidade de vida para quem
trabalha na terra", aposta Nina, fundadora da Adão, que participou
em 1997 dos cálculos de custos da produção orgânica.
Eles incluíam a depreciação das máquinas,
despesas pessoais dos produtores e certificação orgânica
dos produtos.
"Concluímos que para cada propriedade agrícola deveria
haver pelo menos 45 famílias consumidoras. No começo,
só conseguimos 20, que toparam apoiar o produtor. Começamos
assim mesmo".
O sucesso foi tanto, que logo outros produtores e consumidores quiseram
aderir ao sistema. "Chegamos a 8 oito produtores, fornecendo para 450
famílias".
Só que havia falhas a corrigir. Por exemplo, as cestas semanais
eram muito grandes: famílias começaram a dividí-las
com mais gente, prejudicando a expansão do sistema. Além
disso, alguns agricultores tiveram dificuldade de adaptação
às exigências.
Nina relembra: "Após um ano, obtivemos a certificação
do Instituto Biodinâmico, um selo reconhecido internacionalmente.
Para recebê-lo, há detalhes obrigatórios que vão
além das normas relacionadas ao cultivo e colheita, como respeitar
um período de conversão de pelo menos 18 meses (3 anos,
quando o destino é a exportação), sem comercializar
o produto como orgânico. Além disso, os produtos devem
ser transportados em caixas especiais, com o nome do produtor, num veículo
que só carrega orgânicos. Nem todos se adaptam a tantas
regras".
Assim, a Adao chegou a 2001 com 350 associados, sendo 5 produtores.
"Não estamos abrindo o sistema para novos produtores", avisa
Nina, informando que a Agricultura Motivada pelo Consumidor já
começa a ser adotada por grupos de outras regiões do país.
"Temos arrecadado cerca de 18 mil reais mensalmente, que são
divididos proporcionalmente entre os agricultores, após deduzirmos
as despesas. Quando um sofre quebra de produção, recebe
600 reais, que serão devolvidos, quando a propriedade voltar
a render", completa Bráulio de Sá Magalhães, diretor
administrativo da Adao.
Ele afirma que os consumidores associados à Adao pagam cerca
de 40 reais por mês, recebendo a cesta semanal com dez variedades
de vegetais, alguns fixos (como alface e temperos), e outros que variam
(como cenoura ou beterraba). Como a quantia consumida muda de família
para família, a associação oferece o excedente
para compra à parte.
No dia em que Bráulio foi entrevistado, a Adao discutia a oferta
de um supermercado local de comprar os produtos orgânicos, para
revenda. "De um lado isto representa a ampliação do mercado
de nossos orgânicos. De outro, até agora não tínhamos
intermediários. Reconhecemos que também eles precisam
ganhar dinheiro, o que encarece o produto final. Por isso estamos discutindo
o que fazer".
CONSUMO ORGÂNICO
"Produzidos sem fertilizantes químicos ou agrotóxicos (venenos
químicos contra eventuais pragas), e não admitindo o uso
de transgênicos (plantas geneticamente modificadas em laboratório),
os produtos orgânicos conquistam cada vez mais consumidores. Hoje,
grandes redes de supermercados já oferecem estes produtos, sobretudo
nos principais centros urbanos do país. Além disso, existem
iniciativas, como a da Associação de Agricultura Orgânica
(AAO), de promover feiras de produtos naturais. A maior delas, na cidade
de São Paulo, atrai milhares de compradores semanalmente.
"No mundo todo este mercado está crescendo. Na Alemanha, os orgânicos
já ocupam 5% da área plantada do país, e o governo
quer incentivar a ampliação, para chegarem a 20%, em 2050",
diz Sérgio Vaitali, do Instituto Biodinâmico, organização
que já certificou quase 2000 produtores para a agricultura orgânica,
entre as quais, a Adao.
Observando que no Brasil consumidores pagam em média 30% a
mais que pelos orgânicos (às vezes, o preço é
mais que o dobro), Vaitali alerta que não é tão
simples adotar este sistema: além do período de descontaminação
da terra e outras adaptações obrigatórias, o produtor
que quiser o certificado de produção é orgânica
deve pagar matrícula junto a uma certificadora e sofre auditorias
periódicas, pagas. "No IBD, nós incentivamos a certificação
de associações e cooperativas de agricultores. Unindo-se,
os pequenos dividem despesas. Assim, pagam algo como 100 reais por ano,
e seus produtos agregarão valor".
"A proporção desistências é de 0,5%", informa
Isabel Garcia, da AAO, entidade que, junto com o IBD, concentra o maior
número de certificações do Brasil. Segundo ela,
70% dos produtos orgânicos destinam-se à exportação.
Entre eles, há a soja e a maior parte do café orgânico.
No Brasil, ficam sobretudo as hortaliças orgânicas.
REGRAS
"Isabel explica que há variações nas regras, dependendo
de quem certifica. Mas o objetivo sempre é garantir a produção
de alimentos saudáveis do ponto de vista ambiental, social e econômico.
Assim, além de proibir fertilizantes e defensivos químicos,
há técnicas agrícolas especiais para garantir a manutenção
da biodiversidade (como rotação e consorciação
de culturas), e exigências relacionadas às condições
de trabalho dignas.
Um exemplo de variação está na metodologia da
Associação de Produtores da Agricultura Natural, que propõe
regras adicionais para fertilização, além de encarar
- como no caso do cultivo biodinâmico - cada propriedade como
um sistema completo, no qual a produção animal e vegetal
são necessariamente integradas.
"O
importante na agricultura orgânica alcançamos, no longo
prazo, uma produção que não prejudica o equilíbrio
ecológico, preservando o solo, a qualidade da água, a
diversidade da vida".
Vale saber: No Brasil, há a Instrução Normativa
N° 7, de 1999, do Ministério da Agricultura, que regulamenta
a produção e certificação de produtos orgânicos.
OVOS, LEITE, CARNE
Produzir laticínios, ovos e carne no sistema orgânico também
exige cuidados especiais. Os animais devem contar com espaço suficiente,
receber alimentos sem agrotóxicos (venenos são proibidos
nas pastagens), evitando-se antibióticos e hormônios de crescimento,
entre outros cuidados específicos para cada espécie de animal.
Quem aposta na importância da certificação também
destes produtos é o professor Pedro de Felício, da Faculdade
de Engenharia de Alimentos da Unicamp (Universidade de Campinas). "Trata-se
de uma garantia para o consumidor, de que o que estamos comprando obedece
alguns requisitos preestabelecidos", diz, alertando que é importante
saber as exigências de cada certificação: "Por exemplo,
o termo boi verde não tem relação com certificação
orgânica. A expressão foi patenteada pela Tortuga, para
indicar animais que recebem um tipo específico tratamento, com
alimentação vegetal, suplementada com sais que eles produzem".
O professor menciona uma aula em que falava da oferta de ovos caipiras,
hoje comercializados em supermercados. Um aluno questionou: será
que - em vez de serem criadas soltas e sem aplicação de
hormônios - estas galinhas não cresceriam presas em gaiolas,
recebendo urucum como suplemento alimentar, para as gemas ficarem mais
vermelhas? "O certificado de uma instituição séria
é a melhor forma de combater qualquer dúvida, sobre a
origem e qualidade do produto".
10 PRINCÍPIOS DA AGRICULTURA ORGÂNICA
Eis
algumas características da agricultura orgânica, apresentadas
no site do Instituto Biodinâmico:
- Proteção da fertilidade dos solos a longo prazo,
estimulando a atividade biológica;
- Intervenção mecanizada cautelosa;
- Fornecimento de nutrientes ao solo em forma natural, não
obtidos por processos químicos;
- Auto-suficiência em nitrogênio pelo uso de leguminosas
e inoculações com bactérias fixadoras de nitrogênio,
com reciclagem de materiais orgânicos de resíduos vegetais
e estercos animais;
- Controle de doenças, pragas e ervas pela rotação
de culturas, inimigos naturais, diversidade genética, variedades
resistentes, adubação orgânica, intervenções
biológicas, extratos de plantas e caldas elaboradas com componentes
naturais;
- Bem estar das espécies exploradas na criação
animal, pela nutrição, tratamento sanitário e
condições de vida que respeitem suas características;
- Atenção especial ao impacto do sistema produtivo
sobre o meio ambiente, protegendo a flora e fauna existentes;
- Condições de trabalho que representem oportunidade
de desenvolvimento humano aos envolvidos;
- Processamento limpo e controlado;
- Extrativismo sustentável.
Observação:
Além destes critérios para a agricultura orgânica,
a agricultura biodinâmica (fundamentada em Rudolf Steiner
no início do século) inclui utilização
de preparados biodinâmicos, isto é, substâncias
à base de ervas medicinais, esterco e sílica,
aplicadas em doses homeopáticas para equilibrar o sistema
solo-planta-animal
|
DICAS PARA COMPRAR ORGÂNICOS
Quem quer comprar orgânicos, deve prestar atenção
em alguns detalhes:
- Procedência - caso não conheça
o produtor, buscar o selo de certificação, aprovado
pelo Ministério da Agricultura. Nos supermercados,
este selo consta na embalagem. Em feiras orgânicas,
a informação também deve ser visível
através, por exemplo, de cartazes.
- Aparência - é comum encontrar frutas
menores do que estamos acostumados, ou vegetais com furos,
por terem sofrido o ataque de insetos. Isto não é
sinal de falta de qualidade do produto e sim conseqüência
do não uso de agrotóxicos (que são venenosos),
ou aditivos para acelerar o crescimento da planta.
- Variedade - atualmente a variedade de orgânicos
no mercado é menor de que os outros produtos. Mas vale
à pena procurá-los: afinal, o crescimento da
demanda é o melhor incentivo para o aumento de produção,
e a conseqüente redução dos custos.
- Não confundir - muitos pensam que produtos
integrais são orgânicos. Nem sempre. O arroz
integral, por exemplo, é aquele no qual se manteve
uma película externa. Pode ter sido cultivado com agrotóxicos.
- Cuidados ao consumir - antes de consumir vegetais
e frutas, inclusive orgânicos, eles devem ser lavados,
deixando-se, se possível, saladas de molho em vinagre
com água, para desinfetar.
|
|