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Depoimento
de Carlos Bocuhy |
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"A situação
que passamos a relatar é extremamente grave e pedimos apoio para
tentarmos solucionar, da forma efetiva e eficaz, o sério problema
criado pela contaminação que atinge a população
inocente da cidade de Paulínia, região de Campinas.
A Shell fabricava e enterrou drins (pesticidas organosfosforados,
bioacumulativos e potencializadores de males como o câncer), em
suas instalações naquele município, nos anos 70
e 80.
Quando o país proibiu a produção destas substâncias
(Lei 7.802 de 1989), a empresa já enterrara grande quantidade
de cinzas de material incinerado com temperaturas inferiores ao recomendado.
Fizemos tomadas aéreas, com a ajuda de ex-funcionários
da indústria, que indicaram pontos onde foram enterrados os produtos
perigosos (pelo menos 6 pontos de disposição irregular,
e construções / ampliações da planta industrial
sobre os aterros).
Na região, vários casos de câncer foram registrados.
Fotografamos pessoas com hematomas que não coçam, parecendo
uma permanente alergia.
A contaminação também atingiu o lençol
freático e, certamente, o rio Atibaia, que abastece Americana.
Sobre o rio, não
temos ainda o nível de comprometimento, mas as chácaras
do entorno da Shell e vários habitantes foram contaminados, conforme
laudos do laboratório Lancaster de 1995 (sobre os poços)
e exames mais atuais em pessoas, clínicos e de sangue.
Auto-denúncia: Foi em 1995 que se
instaurou um procedimento no Ministério Público (MP),
a partir de auto-denúncia da Shell, quando esta precisou estabelecer
seu passivo ambiental para vender suas instalações para
outra fabricante de pesticidas, Americam Cianamyd. O processo foi moroso
e mal dirigido, pelo MP, Prefeitura de Paulínia e Cetesb, sem
a necessária cautela para proteger a saúde pública.
Os moradores não foram informados do perigo que corriam e apenas
recentemente soubemos que já havia um dossiê, com relação
dos produtos tóxicos enterrados no local.
Hoje, 54 chácaras
do local têm sua produção agrícola, principalmente
de hortas, comprada pela Shell e a água é fornecida por
caminhões pipa. Poços artesianos foram desativados devido
à contaminação.
Nova auto denúncia: A Shell fez nova
auto-denúncia em janeiro de 2001, conforme procedimento instaurado
no MP, desta vez sob o nome de Klaton, sucessora da empresa no local,
alegando que ocorrera no passado um vazamento de produtos químicos
perigosos.
Também recentemente, a própria Shell contratou um laudo,
que apontou metais pesados fora dos parâmetros em 15 pontos de
monitoramento, no site da Shell e 3 poços de chácaras.
Após isso, a comunidade do entorno, cansada da morosidade burocrática
e com problemas de saúde, providenciou exames particulares. Algumas
crianças apresentam sinais metais pesados acima do normal: mercúrio,
arsênico, alumínio, chumbo, níquel, prata e titânio.
A Shell fabricava no local, entre outros, Bladotyl - herbicida classe
tóxica II, que contém arsênico; Duriac 700, fungicida
classe tóxica IV, que contém cobre e o Shellneb, fungicida
classe tóxica III, que possui magnésio e zinco. Portanto,
os metais pesados detectados nas pessoas faziam parte de processos industriais
da Shell naquele local.
Ex-funcionários também estão preocupados com
a possibilidade de terem se contaminado, durante o período em
que trabalharam na empresa.
Gravidade: Pelo que pudemos observar,
a situação é mais grave que a de Pilões,
na Baixada Santista, onde a contaminação ocorreu em pessoas
que moravam ao lado do aterro com pesticidas organoclorados.
No caso de Paulínia, existe uma incompreensível instalação
de indústria poluidora a 15 metros de chácaras. Durante
anos, as verduras produzidas no local foram vendidas na região,
a carne e o leite do gado que ali pastava e consumia água contaminada
foram comercializados. Temos notícia de 14 cabeças de
gado que morreram por problemas de estômago (característica
dos efeitos dos drins).
Há muitas crianças na área, que em casos como
este deveriam estar proibidas de ter contato com a terra. A poeira levantada
na pequena rua pelos carros que pela rua que divide a indústria
das chácaras atinge toda a área das chácaras.
Numa reunião entre o MP e a Shell, em meados de março,
estive presente como observador, indicado pelas ONGs locais. Discutia-se
um cronograma para um adendo ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC,
que órgãos ambientais podem exigir), visando necessários
exames de sangue da população. Ocorre que, quando afastado
da fonte de contaminação por mais de 45 dias, desaparecem
do sangue indícios de drins, pois a substância instala-se
no tecido adiposo. Daí, as opções são: biópsia
(nem todos aceitam este exame), ou um exame do cabelo, muito caro e
complexo.
Ao final desta discussão, quando afirmei ser esta situação
uma das mais graves, pedindo rapidez ao andamento dos trabalhos, um
representante da Shell, holandês, ameaçou me processar.
Ajudem: Agora num quadro mais definido, infelizmente evidencia-se
o que antevíamos: a gravidade da contaminação,
a relutância da Shell em assumir imediatamente suas responsabilidades,
que incluem assistência médica, abrigo e relocação
da população, recuperação do local, com
retirada e destinação final até da terra contaminada,
indenizações pelas propriedades e outros danos que causou.
Também deve se avaliar a qualidade ambiental daquela região,
pois temos notícias de outros aterros clandestinos de resíduos
perigosos em empresas na área. Seria preciso avaliar os sedimentos
do fundo rio Atibaia também, bem como a própria capacidade
de suporte de Paulínia, antes de se licenciar qualquer novo empreendimento
na região. Trata-se de um misto de áreas de grandes indústrias
altamente impactantes, com áreas rurais, terras produtivas e
férteis, produzindo alimentos.
Já solicitamos
uma apresentação no Conselho Estadual do Meio Ambiente
(Consema) sobre a atuação da Cetesb no caso, para definirmos
melhor as medidas legais de responsabilização dos atores
envolvidos nesse episódio trágico, onde por 6 anos a morosidade
burocrática submeteu a riscos inadmissíveis uma população
inocente, incluindo crianças, que ignoravam o perigo e risco
de morar em área de lazer, confiando a órgãos governamentais
- que foram omissos. Um vídeo sobre o problema também
foi encaminhado à Conferência Internacional sobre Poluentes
Orgânicos Persistentes, realizada em maio, na Suécia.
Apóiem
os contaminados. Mandem e-mails apelando ao Ministério Público
de São Paulo para agilizar o processo - meioamb@mp.sp.gov.br
, com cópia para campanhabillings@uol.com.br
Carlos Bocuhy
Representante ambientalista no Conselho Estadual do Meio Ambiente / SP (Consema) clique aqui para contatar o autor
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