Sapurtiga
é daqueles sapinhos que fundariam a "associação
de defesa do meu ambiente". Vive preocupado com a qualidade ambiental
do lugar onde mora e faz tudo para defender seu brejo contra a sujeira.
Mas ele também se aflige com a saparia de outras regiões,
seus parentes.
Por isso, assim que soube que o IBGE anunciou os resultados de uma
pesquisa sobre serviços de água e saneamento em todo Brasil,
foi correndo buscar os jornais do dia, para saber mais sobre a situação.
Afinal, quem consegue viver sem água limpa? pensava ele no caminho.
Quando começou a ler as notícias, Sapurtiga quase se
afogou na quantidade de números. Ficou confuso mas, como é
persistente, foi tentando compreender.

Sapo quer água... - Felizmente, raciocinou,
o abastecimento de água já atende quase todos brasileiros:
ele existia em 95,6% dos municípios em 1989, agora atinge 97,9%!
Só que então ele lembrou que cada município divide-se
em distritos. E, dos 9.948 distritos do país, só 88,8%
estão na rede. Antes de viver em município ou em distrito,
a gente vive na casa da gente. Havia um terceiro número nas notícias,
ainda pior que o dos distritos: a água encanada chega a menos
de 2/3 dos domicílios brasileiros (63%)!
Tentando ser otimista, ele concluiu: pelo menos é água
pura na torneira de quem tem acesso a ela. Foi aí que chegou
a outros números dos jornais. Em 4.236 distritos (quase metade
dos distritos brasileiros) a captação é feita nos
cursos d’água. Ocorre que um terço destes cursos sofre
com a poluição: é água suja, portanto. Em
geral, o problema é despejo de esgotos in natura nos
rios. Mas tem também a poluição por agrotóxicos,
por mineração, lixo, despejos industriais. E ele soube
que, em 1989, 96% de água encanada era tratada. Em 2000, o índice
tinha caído para 92,8%.
Sapurtiga não estava disposto a ficar mal humorado. Portanto
ele, que não vive sem água, voltou a se contentar ao saber
que a captação do precioso líquido subiu de 200
para 260 litros por pessoa/dia. Mas logo teve outra decepção:
de um lado, essa quantia inclui a água fornecida às indústrias,
que é bastante. De outro, ocorrem enormes perdas no caminho do
rio para os consumidores: de cada 100 litros captados, as empresas só
faturam 62. Ou seja, 38 litros são água perdida, que vazou
pelo caminho ou... teve erro na medição! E se há
tanta água para cada brasileiro, duvidou nosso amigo, como o
jornal afirma que tem racionamento em 1709 distritos do país?

Ihhhh! Esgoto!! - Sapurtiga sempre sentiu na
pele o problema dos esgotos, já que rios e brejos vivem recebendo
água suja das cidades e dos campos. Então, resolveu ficar
otimista ao saber que - de 47,3% municípios com coleta de esgoto
em 1989 - passamos para 52,2%, em 2000. Só que, quando prestou
atenção nos detalhes, foi ficando cada vez mais bravo.
Em primeiro lugar, percebeu que só pedaços dos municípios
são beneficiados. Ele leu que 2/3 dos distritos brasileiros (66,2%)
ainda não contam com a coleta de esgotos. Quanto ao número
de casas, só 1/3 está ligada à rede de esgoto.
Outro problema: esgoto coletado não quer dizer esgoto tratado.
De cada 100 litros de esgoto coletado, 84 são despejados
in natura diretamente nos cursos d’água. Com um detalhe: a
pesquisa não avaliou a qualidade dos serviços, apenas
quantidade. De que adianta coletar, pensou ele, se a sujeira vai direto
pro meu brejo, ainda mais concentrada???
Quanto lixo! - Sapurtiga resolveu mudar de
assunto. Procurou informações sobre lixo, que também
faziam parte da pesquisa. Ficou mais animado: em 1989, de cada cem municípios,
só dez tinham aterro sanitário (10,7%). Em 2000, já
eram 32,2% com aterros. O ideal é que todo o lixo seja coletado
e tratado, mas já é um consolo saber que 1/3 dos municípios
estão bem servidos, avaliou. E ele viu outros números,
ainda mais positivos: quando se considera o lixo pelo peso, 47,1% do
total (quase metade) tem como destino os aterros sanitários,
22,3%, vão para aterros controlados e só 30,5% acabam
nos lixões. Com o tempo e mais educação, concluiu,
vão parar de jogar lixo no meu brejo...
Então ele leu que o Brasil produz 162 mil toneladas diárias
de lixo, ou seja, cada brasileiro gera quase um quilo de resíduos
sólidos por dia! Começou a reclamar: quanto desperdício,
quantas coisas as pessoas jogam fora que poderiam ser reutilizadas,
ou pelo menos recicladas... O papel deste jornal, por exemplo: se for
misturado com comida no lixo, não dá mais para reciclar....
Sapurtiga espantou-se com outro dado, sobre catadores de lixo: 1548
municípios forneceram informações ao IBGE, o que
somou uns 24 mil catadores no país. Ele concordou com alguns
entrevistados, que acharam absurdo o fato de um quinto das pessoas nesta
atividade terem menos de 14 anos.
Drenagem por aqui? Sapos adoram brejos, por
isso Sapurtiga adiou o quanto podia a leitura do último tema
da pesquisa do IBGE, para ele, mais desagradável - drenagem.
"Será que vão querer secar até meu brejo?",
resmungou. Aí leu uma informação que classificou
como esquisita: mais de ¾ dos municípios (78,6%) declararam que
possuem sistemas de drenagem.
Em quase todas cidades, é só acontecer uma chuva de verão,
que tem inundação. Que drenagem é essa? perguntou
para si mesmo, prestando atenção em outro dado:em quase
¾ dos municípios brasileiros (73,4%) não há controle
sobre esta questão. Nos outros, a regulamentação
está, em geral, na Lei de Uso e Ocupação do Solo.
E agora? Alguns comentários
dos jornais, Sapurtiga achou óbvios demais. Por exemplo, que
a região Sudeste seja mais bem servida de que o Norte e Nordeste
do país, tanto no abastecimento de água, quanto nos serviços
de esgoto. Ou que municípios menores tenham menos estrutura de
que os maiores. Terceira obviedade: todos querem dinheiro para consertar
os problemas.
Um jornal dizia que, para universalizar os serviços de água
e esgoto, seria preciso investir 4 bilhões de reais por ano e
que o governo nunca gastou isso nesta área. Outro mencionava
a cobrança pelo uso da água, que vai começar no
Rio Paraíba, pois cobrando pela água tudo iria melhorar
(hoje, a gente só paga pelos serviços de distribuição
e tratamento).
Também tinha uns comentários sobre privatização
do setor. Ele lembrou de todas acusações em torno da privatização
dos serviços de esgoto, em Itu, e das pessoas reclamando do aumento
de preço de serviços já privatizados, em outras
áreas, sem melhoria de qualidade.
Sapurtiga rememorou um aviso do Cacique Seattle, de 1854: "Contaminem
suas camas e uma noite serão sufocados pelos próprios
dejetos!". E torceu para que todos os humanos do Brasil lutem pela
água limpa e o ambiente bem tratado para todos, inclusive os
sapos.
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