"Foi uma foto num livro, das gigantescas
estátuas de pedra 'decapitadas' com suas enormes cabeças
espalhadas pelo chão, que me atraiu para Nemrut Dagi. Visitava
a Turquia, em 2001. Resolvi chegar a Nemrut, antes mesmo de saber que
se tratava de um Patrimônio da Humanidade, segundo a Unesco, localizado
em território reivindicado pelos curdos, o Curdistão.
Longa viagem de ônibus de linha, sem outros turistas a bordo, para
chegar a Katha, leste turco. Cidade aparentemente pouco organizada, população
predominantemente pobre, muita poeira, calor (era verão). Enquanto
caminhava na comprida e larga avenida principal, passantes e motoristas
de vans aproximavam-se para vender a excursão ao topo da montanha
onde está o mausoléu do Rei Antiochos I da mencionada foto,
construído no século I AC.
Na madrugada seguinte (a excursão proporcionar-nos-ia
o nascer do sol junto às estátuas), a forte risada do
pessoal do pequeno hotel onde me hospedei - ante meu comentário
de que basta iniciar uma conversa com um turco, para logo ele tentar
vender algo (em geral turcos divertiam-se com esta resposta) -, levou-me
a descobrir: eram todos curdos.
Descobri mais: trata-se de um povo caloroso, que ama sua música,
suas tradições e a região montanhosa onde vive,
repleta de marcas da História. Eram meus últimos dias
de Turquia. Tive de recusar o convite para me hospedar com uma família
curda, numa vila próxima.
Outra descoberta: se, no nível do solo, a terra parece árida,
logo abaixo é puro petróleo. Motivo da cobiça que,
com certeza, ajuda a criar as guerras separatistas na região,
bem como a atual invasão liderada pelo presidente EUA ao vizinho
Iraque, onde 15% da população também é curda.
Talvez por causa desta
visita, afetem-me muito mais as notícias da guerra no Iraque.
Por um lado, assustam-me os prognósticos de que os investimentos
para a invasão por terra mar e ar podem alcançar US$ 200
bilhões. E os custos da reconstrução, outros US$
115 bilhões.
(Uma comparação: para implantar o desenvolvimento sustentável
no mundo, que combinaria o bem estar para todos seres humanos com o
respeito ao meio ambiente, a Agenda 21 - subscrita por mais de 100 países
na Eco-92, em 1992 - previu gastos de US$ 600 bilhões. O plano
mal saiu do papel, por falta de dinheiro).
Mais
me assusta pensar em todas as vítimas silenciosas da guerra.
Pessoas como as que conheci, vítimas da localização
geográfica e riqueza geológica. Além delas, as
marcas de nossa história, nosso passado: onde hoje é o
Iraque, há mais de 5 mil anos existiu a Mesopotâmia, dos
sumérios e babilônios. Ur, a capital dos sumérios,
foi cidade natal de Abraão, profeta cultuado por cristãos,
muçulmanos, judeus. A lendária Torre de Babel também
foi erguida onde hoje é Iraque.
O governo dos EUA
nunca ratificou a Convenção de Haia de 1954, pelo qual
se comprometeria a proteger a herança cultural em um conflito
armado. Notícias da ONU dão conta que na região
já foram identificados mais de 10 mil sítios arqueológicos,
os quais ajudariam a conhecer mais sobre esta civilização
que pela primeira vez desenvolveu a escrita, na forma cuneiforme, e
organizou leis em códigos, como o de Hamurabi. Num dos primeiros
bombardeios norte-americanos a Bagdá, a mais antiga universidade
já foi vitimada por uma bomba, dita inteligente.
Também assusta pensar nos danos ambientais. Num depoimento publicado
na mídia, o diretor do Programa de Meio Ambiente da ONU (Pnuma),
Klaus Toepfer, contabilizou: "A humanidade sempre contou suas baixas
em termos de civis e soldados mortos e feridos, cidades e meios de vida
destruídos, mas o meio ambiente permanece como vítima
ignorada da guerra".
Em
19 de março, quando começavam os bombardeios do Iraque,
o Pnuma (às vezes em parceria com outras organizações)
ainda estudava efeitos de pelo menos 4 conflitos armados:
- Guerra
do Golfo/1991, marcada pelas manchas de petróleo no mar (que
mataram pelo menos 20 mil aves marinhas), pelos poluentes incêndios
nos campos de petróleo, e pelas radioativas armas de urânio
empobrecido, cujo efeito cancerígeno sobre pessoas ainda não
é bem conhecido (na atual invasão do Iraque, os EUA
prometeram usar 4 tipos de armas com urânio empobrecido);
- Ataque
dos EUA ao Afeganistão, em 2001, com uso das mesmas armas de
urânio, entre outros;
- Conflitos
nos territórios palestinos ocupados por Israel (em curso) ;
- Guerra
entre sérvios e albaneses em Kosovo/1999 (ex-Iugoslávia),
quando bombardeios seletivos da Otan (Organização do
Tratado do Atlântico Norte) liberaram substâncias tóxicas
no ambiente, restando também em todo país um grande
número de minas terrestres.
Outras notícias da ONU indicam que poderiam existir dez milhões
de minas terrestres no mundo. Camboja, por exemplo, guardaria cerca
de cem minas para cada 2,5 quilômetros quadrados. São marcas
de guerras que permanecem após o conflito, afetando não
apenas os seres humanos, como todos os seres vivos que habitam no local,
que continuam sofrendo, mesmo muito depois das armas bélicas
silenciarem."
Silvia Czapski
editora do Urtiga

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