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VITIMAS DA GUERRA!!!

(Publicado no URTIGA 155 - março/abril 2003 - pág. 1)




Depoimento de Silvia Czapski, editora do Urtiga, que esteve em território reivindicado pelos curdos, Curdistão (lado turco), e discute sobre vítimas da guerra, inclusive no longo prazo. Confira

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Editorial do Jornal Urtiga 155
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foto: silvia czapksi/Nemrut Dagi/2001 "Foi uma foto num livro, das gigantescas estátuas de pedra 'decapitadas' com suas enormes cabeças espalhadas pelo chão, que me atraiu para Nemrut Dagi. Visitava a Turquia, em 2001. Resolvi chegar a Nemrut, antes mesmo de saber que se tratava de um Patrimônio da Humanidade, segundo a Unesco, localizado em território reivindicado pelos curdos, o Curdistão.

Longa viagem de ônibus de linha, sem outros turistas a bordo, para chegar a Katha, leste turco. Cidade aparentemente pouco organizada, população predominantemente pobre, muita poeira, calor (era verão). Enquanto caminhava na comprida e larga avenida principal, passantes e motoristas de vans aproximavam-se para vender a excursão ao topo da montanha onde está o mausoléu do Rei Antiochos I da mencionada foto, construído no século I AC.


Na madrugada seguinte (a excursão proporcionar-nos-ia o nascer do sol junto às estátuas), a forte risada do pessoal do pequeno hotel onde me hospedei - ante meu comentário de que basta iniciar uma conversa com um turco, para logo ele tentar vender algo (em geral turcos divertiam-se com esta resposta) -, levou-me a descobrir: eram todos curdos.

Descobri mais: trata-se de um povo caloroso, que ama sua música, suas tradições e a região montanhosa onde vive, repleta de marcas da História. Eram meus últimos dias de Turquia. Tive de recusar o convite para me hospedar com uma família curda, numa vila próxima.

Outra descoberta: se, no nível do solo, a terra parece árida, logo abaixo é puro petróleo. Motivo da cobiça que, com certeza, ajuda a criar as guerras separatistas na região, bem como a atual invasão liderada pelo presidente EUA ao vizinho Iraque, onde 15% da população também é curda.


Talvez por causa desta visita, afetem-me muito mais as notícias da guerra no Iraque. Por um lado, assustam-me os prognósticos de que os investimentos para a invasão por terra mar e ar podem alcançar US$ 200 bilhões. E os custos da reconstrução, outros US$ 115 bilhões.

(Uma comparação: para implantar o desenvolvimento sustentável no mundo, que combinaria o bem estar para todos seres humanos com o respeito ao meio ambiente, a Agenda 21 - subscrita por mais de 100 países na Eco-92, em 1992 - previu gastos de US$ 600 bilhões. O plano mal saiu do papel, por falta de dinheiro).

Mais me assusta pensar em todas as vítimas silenciosas da guerra. Pessoas como as que conheci, vítimas da localização geográfica e riqueza geológica. Além delas, as marcas de nossa história, nosso passado: onde hoje é o Iraque, há mais de 5 mil anos existiu a Mesopotâmia, dos sumérios e babilônios. Ur, a capital dos sumérios, foi cidade natal de Abraão, profeta cultuado por cristãos, muçulmanos, judeus. A lendária Torre de Babel também foi erguida onde hoje é Iraque.

O governo dos EUA nunca ratificou a Convenção de Haia de 1954, pelo qual se comprometeria a proteger a herança cultural em um conflito armado. Notícias da ONU dão conta que na região já foram identificados mais de 10 mil sítios arqueológicos, os quais ajudariam a conhecer mais sobre esta civilização que pela primeira vez desenvolveu a escrita, na forma cuneiforme, e organizou leis em códigos, como o de Hamurabi. Num dos primeiros bombardeios norte-americanos a Bagdá, a mais antiga universidade já foi vitimada por uma bomba, dita inteligente.

Também assusta pensar nos danos ambientais. Num depoimento publicado na mídia, o diretor do Programa de Meio Ambiente da ONU (Pnuma), Klaus Toepfer, contabilizou: "A humanidade sempre contou suas baixas em termos de civis e soldados mortos e feridos, cidades e meios de vida destruídos, mas o meio ambiente permanece como vítima ignorada da guerra".

Em 19 de março, quando começavam os bombardeios do Iraque, o Pnuma (às vezes em parceria com outras organizações) ainda estudava efeitos de pelo menos 4 conflitos armados:

  1. Guerra do Golfo/1991, marcada pelas manchas de petróleo no mar (que mataram pelo menos 20 mil aves marinhas), pelos poluentes incêndios nos campos de petróleo, e pelas radioativas armas de urânio empobrecido, cujo efeito cancerígeno sobre pessoas ainda não é bem conhecido (na atual invasão do Iraque, os EUA prometeram usar 4 tipos de armas com urânio empobrecido);

  2. Ataque dos EUA ao Afeganistão, em 2001, com uso das mesmas armas de urânio, entre outros;

  3. Conflitos nos territórios palestinos ocupados por Israel (em curso) ;

  4. Guerra entre sérvios e albaneses em Kosovo/1999 (ex-Iugoslávia), quando bombardeios seletivos da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) liberaram substâncias tóxicas no ambiente, restando também em todo país um grande número de minas terrestres.

Outras notícias da ONU indicam que poderiam existir dez milhões de minas terrestres no mundo. Camboja, por exemplo, guardaria cerca de cem minas para cada 2,5 quilômetros quadrados. São marcas de guerras que permanecem após o conflito, afetando não apenas os seres humanos, como todos os seres vivos que habitam no local, que continuam sofrendo, mesmo muito depois das armas bélicas silenciarem."


Silvia Czapski
editora do Urtiga

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