O FRANCÊS QUE
PLANTAVA FLORESTAS história
real do francês Elzéard Bouffier, obtida a partir do depoimento de
um viajante. "Em
1910 empreendi uma longa caminhada nas montanhas da Provença, em região
ainda desconhecida pelos turistas e que não apresentava mesmo nada atraente,
pois a terra era árida, seca, onde nada crescia, além da alfazema
silvestre. Atravessando o planalto, depois de três dias de caminhada, eu
me vi numa paisagem de incomparável deserto. Acampando, procurei água
para beber, de fonte ou talvez de um poço antigo, pois umas ruínas
ali davam a certeza de terem existido moradias. Mas nada encontrei a não
ser a solidão e um vento que soprava com veemência, e por isso me
vi obrigado a continuar a caminhada, carregando a barraca.
Após cinco horas de caminhada, sem encontrar água, divisei ao longe
um vulto que reconheci ser um homem - um pastor com umas trinta ovelhas deitadas
ao seu redor, juntamente com um cão. Compreensivo, adivinhando a minha
sede de três dias, deu-me de beber de sua garrafa de campo, convidando-me
mais tarde para ir a sua casa.
Solitário, tendo perdido sua mulher e o filho, instalara-se nessa terra
inculta, longe de povoados de gente em constantes rixas e inveja. Dividindo uma
sopa quentinha e gostosa entre nós dois, na refeição ele
pouco falava e pude observar o seu jeito calmo, comedido, sua barba feita, a roupa
com seus botões firmes, apesar de uns remendos quase imperceptíveis.
Ao redor, tudo limpo, em ordem, chão varrido.
Apesar de pouca fala, inspirava confiança. Depois da refeição,
levantou-se e foi buscar um saquinho, despejando o seu conteúdo na mesa.
Eram bolotas (sementes) de carvalho, e ele as foi examinando uma a uma com cuidado,
separando as boas. Depois, foi dormir em paz.
Na manhã seguinte perguntei se podia acompanhá-lo e ele consentiu
com um aceno. Antes de nossa saída, ele mergulhou as bolotas em um balde
de água, e lá fomos, não sem ele munir-se de uma cano de
ferro da grossura de um polegar. Fiquei intrigado, querendo adivinhar o que ele
faria com esse cano. Fomos até o vale e lá ele deixou o seu rebanho
aos cuidados do cachorro e nós subimos um escalão a uns cem metros
adiante. E era ali, fazendo buracos com o cano de ferro, que ele ia plantando
as bolotas de carvalho.
Perguntei se a terra era dele. Não, não era, e nem sabia tampouco
de quem era. No entanto, isso não o impedia de continuar a plantar as bolotas,
pois já plantara 100.000 delas. Destas, 20.000 haviam germinado, e os ratos
fariam perder mais ou menos a metade. Mesmo dez mil restante, onde antes não
havia nada, não era isso compensador? Naturalmente que sim, eu lhe disse.
E esses dez mil carvalhos, em trinta anos, seriam uma linda floresta de se ver.
E ele, fitando os olhos confiantes no horizonte refletiu: Em trinta anos?... Até
lá eu terei plantado muito mais, e também faias e bétulas.
Já tenho um viveiro na minha horta, dizia com convicção.
Despedi-me no dia seguinte, e
anos depois rebentava a guerra de 1914, que me prendeu durante cinco anos. Mas
mal consegui o documento de mobilização, senti uma saudade imensa
de ar fresco, de ar de montanha. E lá fui eu para aquela terra árida
e erma, onde eu sabia morar um ermitão com seu estranho "hobby" de plantar
bolotas. A paisagem era
a mesma, mas lá naquele local antes desértico e abandonado, avistava-se
uma neblina cobrindo o cume do monte, como um tapete. Lembrei-me dos dez mil carvalhos
do pastor de ovelhas: tal número de árvores devia estar cobrindo
uma apreciável área. E esse ermitão chamado Elzéard
Bouffier provavelmente já estaria morto. Mas não estava, e ao contrário,
sentia-se ainda bem e forte. Havia mudado de profissão , ficando com apenas
quatro ovelhas, substituindo as outras por colmeias. Os carvalhos plantados em
1910 já atingiam a altura de dois homens, e outros mais, plantados durante
dez anos, cobriam um onze quilômetros de comprimento por três de alrgura,
desse plantio. Fiquei
estupefato - toda essa imponência vinda das mãos desse homem simples,
sem recursos técnicos nem financeiros! Ele havia continuado com seu projeto
de plantar faias, as quais já se estendiam a perder de vista. E bétulas
também, em grupos no vale, ele as plantara para garantir a permanência
do lençol freático. E tinha razão: onde antes havia terra
seca, agora os córregos jorravam água fresca e cristalina.
A natureza, com água reaparecida
e o vento espalhando sementes, foi dando vida, relva e flores. Vagarosa e constantemente,
tudo se transformara em paisagem atraente. Guardas florestais que nada disso sabiam,
mas foram atraídos por esta transformação, julgando-a um
"capricho da natureza", nem poderiam desconfiar que pudesse existir alguém
de tal persistência e generosidade. Um dia surpreenderam Elzéard
Bouffier na mata esquentando a sua refeição sobre pequenos galhos
ardendo, e temendo um incêndio nesta mata que "merecia toda proteção",
determinaram que a abandonasse. Sem nada explicar, ele mudara-se então
mais longe, e continuou, com toda sua clama, a plantar. Sempre longe e solitário,
nada sabia da guerra de 1914 nem da de 1939. Vi-o pela última vez em junho
de 1945. Ele tinha 87 anos.
Para vê-lo, já não precisei caminhar dias a pé, pois
um ônibus já servia aquela região, toda transformada. Em lugar
do vento mordaz chicoteando o rosto, soprava uma suave brisa carregada de perfumes.
E água - havia água a valer. Já havia algumas casas - cinco,
com hortas e flores em abundância harmoniosa - repolhos e roseiras, cheiros e
boca-de leão...
Agora era um lugar aprazível onde se podia morar. Obra de fé e esperança
no futuro - confiante na força da natureza. Um homem de alma pura, sensível
às leis que regem esse mundo de Deus, e que, pela sua simplicidade, soube
descobrir um maravilhoso caminho em direção à felicidade!."
Adaptação de Maria Luiza Merkle, publicada pela primeira vez na
revista da Associação de Preservação da Flora e da
Fauna. Extraído da Revista Vida & Cultura Alternativa de junho de
1985 Fonte: Jornal Urtiga - Edição 99 - outubro/1995
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