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MULTIPLICANDO AGROFLORESTASvamos preservar????

(Publicado no Urtiga 141 - novembro/dezembro 2000 - pág. 3)

 
uma ciência que imita a natureza!!!

Uma forma diferente de plantar,
que nasceu da observação da natureza.
Acompanhe a experiência surpreendente de Ernst Götsch, um "fazedor de florestas"
.



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Foi uma visita ao Brasil, na década de 60, que mudou radicalmente a vida de Ernst Götsch. Suiço, ele trabalhava em seu país com melhoria genética de plantas, a ciência que hoje gera tantas polêmicas por desenvolver os transgênicos.

Visitando o Paraná, Götsch chocou-se com a devastação das matas nativas de araucárias (pinheiro do paraná) e a implantação de grandes monoculturas agrícolas, que ele entende como desertos verdes. Concluiu: não é o homem que deve modificar as plantas e os demais elementos da natureza ao jeito que imagina ser bom cultivar. A natureza já oferece tudo. Basta observar e aprender com ela.

Não vendo mais sentido em seu trabalho de laboratório, o cientista buscou novas alternativas. O preço da terra na Suiça era-lhe inacessíveöl. Götsch comprou, no sul da Bahia, uma propriedade rural, para onde se mudou. Para dar idéia da secura do local, ele recorda que a pluviosidade não chegava a 1.500 mm por ano e boa parte das sete nascentes eram veredas, onde água só corria nos curtos períodos chuvosos.

Como cultivar naquele espaço? "Não posso esperar que onde existe sapé (planta típica de áreas degradadas) logo cresçam rabanetes", comenta Götsch, explicando que a regeneração ambiental pode ocorrer naturalmente, mas levaria muitas décadas. "Adubo é caro demais. Decidi acelerar o processo, usando a técnica da professora formiga cortadeira."

Esta formiga busca os terrenos mais compactos, Corta ervas e outras plantas, para levar para dentro da terra. Resultado: melhora a qualidade do solo. "Fiz a mesma coisa", diz, descrevendo seu procedimento: "Primeiro, cortei o sapé, agradecendo pelo que ele já fez de bom para o ambiente. Juntei esta biomassa (plantas picadas), formando ninhos de matéria orgânica, onde comecei a plantar o mais rápido possível, pois o pior é deixar o solo nu."

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RECEITA BEM DIFERENTE...

Assim como, receitas culinárias usam ingredientes que combinam entre si, Götsch testou a combinação de espécies de plantas que serviria ao seu objetivo: regenerar a área e, ao mesmo tempo, sobreviver dos produtos da terra. Em outras palavras, as plantas que teriam de frutificar rapidamente.

Formar mudas é mais caro de que jogar sementes na terra. De novo imitando a natureza, onde tudo se mistura, ele adotou um método que a maioria dos agricultores consideraria loucura. Misturou sementes superdiferentes - de hortaliças a árvores - para semear diretamente no solo. O tamanho e peso das sementes varia de acordo com a espécie. Para obter distribuição uniforme de variedades, ele acrescentou à mistura um punhado de terra e água, formando uma massa a ser colocada nas covas.

"Tenho de trazer as espécies mais eficientes para resolver o caso, no local onde estou atuando", explica Götsch, para sobreviver do que planta, o mix de sementes deve ter vegetais de três grupos: 1- de ciclo de vida curto, como feijão (que já fornece frutos em 2,5 meses); 2- médios, como guandu (planta leguminosa, que ajuda na fixação do nitrogênio no solo), mandioca, maracujá, e 3- de ciclo longo, como as árvores que levam anos para crescer e dar frutos, como acácia negra, pau pereira, ingazeira, tamboril. "As espécies devem ser adequadas às condições do local", frisa.

Como plantar? Um jeito é fazer linhas na terra, de metro em metro, onde ficarão as covas com misturas de semente. No meio disto, pode-se cultivar uma única variedade que forneça mais biomassa (matéria orgânica) ao sistema. Em áreas degradadas, pode se usar feijão de porco, planta rústica que ajuda a fixar o nitrogênio no solo. Após a colheita do feijão, as plantas serão cortadas, mas não retiradas, tornando-se matéria orgânica para enriquecer o solo. Para completar, de oito em oito metros, dá para incluir uma fila de árvores maiores, que fornecerão sombra e frutos no futuro, como é o caso do abacate e da manga.

Götsch discorda da teoria de que árvores devem ser plantadas distantes entre si. Na natureza, lembra, vêm-se muitas nascendo juntas e só as mais adequadas ao local chegam à idade adulta. "Posso plantar de 35 a 40 mil árvores por hectare, e chegam a nascer sete árvores por metro quadrado."

Resultado? Gradativamente as plantas vão dando os frutos que nutrirão o agricultor. Enquanto isso, as árvores vão ajudando a formar a agrofloresta.

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RESULTADOS SURPREENDENTES

Após dez anos de trabalho em sua terra, Götsch tinha a rica terra preta, até 30 a 40 cm de profundidade, em vez do antigo latossolo amarelo. O maior índice de pluviosidade na região de sua propriedade era 1.800 mm ao ano. "Hoje no meu sítio ela supera 2.000 mm. Onde eu tinha veredas secas, hoje tenho córregos com água."

Atualmente, Götsch passa a maior parte do ano atendendo a convites para relatar sua experiência e ensinar sua técnica de plantio. Não se cansa de dizer: "Neste sistema trabalho com a natureza. Meu arado é a minhoca, que além de trabalhar a terra, ajuda a mineralizá-lo. Meu trator é o facão, de 20 polegadas. E outros ajudantes também aparecem naturalmente, quando lhes dou condição. Uso um princípio da Bíblia que diz: dar é melhor que tirar. Enriquecer o sistema onde se intervém é mais lucrativo de que explorá-lo."

Inimigo da monocultura, ele conta com orgulho: "Em meu sítio, plantei mais 60 espécies, elas são bondosas e trazem outros amigos. Por isso tenho 200 a 250 espécies de plantas por hectare."

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COMBINAÇÃO DE ESPÉCIES

Na ciência da agrofloresta, começa-se por um diagnóstico da área. Acidez (pH), disponibilidade de fósforo e nitrogênio do solo são elementos fundamentais para a escolha das espécies certas para o local. "Devo considerar a disponibilidade no solo dos diferentes elementos que plantas necessitam: os hidrocarbonos ajudam a armazenar energia; o potássio forma a estrutura; nitrogênio e fósforo são catalizadores em processos de transformação. A água é o meio de transporte dos elementos."

Este é desafio que Götsch propõe: "Imagine que você tem um crédito de 5 semanas, para depois viver do que o local tem para dar, até morrer. Só tem sementes, não tem dinheiro, precisa de uma estratégia para errar menos." A resposta: escolher a combinação certa de plantas para o local. À medida em que o ecossistema for melhorando, introduzir novas plantas mais exigentes, imitando a sucessão natural, que existe na natureza.

De tanto andar pelo país, Götsch conhece o tipo de solo pelas plantas nativas que observa. Exemplo: carrapicho é indicador de solo ácido. Isto determina a escolha das espécies. Neste caso, começa-se a montar a agrofloresta com espécies rústicas, que sobrevivam num ecossistema degradado, sem adubação artificial, condenada neste sistema.

Mais exemplos: "Num solo ácido, de pH 4,2, posso plantar laranjeiras e, a cada metro, uma ilha de verduras. As sobras da colheita das verduras, posso misturar com restos de casa de cupim e esterco de galinha. É ótimo fertilizante orgânico. Já num lugar úmido, posso plantar bromélias, que dão frutos para comer. E árvores, como jerivás e quaresmeiras."

Na mistura de espécies, deve-se conhecer as amigas, que se desenvolvem melhor quando plantadas junto. É o caso do milho e feijão, que os índios já reuniam em suas roças. "Onde cresce o milho, também dá capim elefante, que tem a maravilhosa capacidade de mobilizar fósforo do solo."

O café gosta de sombra. É amigo de árvores como a manga, tamboril, samaúma, jequitibá. Mas, com a bananeira, só conviverá bem por poucos meses. "Onde já tem bananal, posso introduzir o abacate, que tem ciclo de vida mais longo e, no extrato mais baixo, plantar taioba."

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Leia o Urtiga

Obs: a entrevista a Ernst Götsch e demais informações foram obtidas no V Encontro "Florestas Nativas & Sistemas Agroflorestais", organizado pela Agroecológica em agosto, com apoio da AIPA.
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FILOSOFANDO

Homem é um animal que surgiu nas estepes, com funções importantes na natureza. Por exemplo, dispersar sementes: ele consumia frutos e grãos e devolvia as sementes ao solo, junto com seus excrementos, ótimo adubo. Também contribuía na otimização da população de outras espécies: ao caçar eliminava indivíduos fracos, pois os mais fortes escapam.

Quando um ecossistema é destruído, muitas espécies que nele vivem também desaparecerem. No fim da era glacial, grande parte das grandes estepes desapareceu. O ser humano conseguiu a proeza de conquistar outros habitats e assim sobreviver.

Com base neste raciocínio, Götsch observa: "até hoje o Homem tenta, desesperadamente, transformar em estepes os ecossistemas onde se instala. Seus primeiros ajudantes nesta tarefa eram animais, como as vacas e porcos. Outros ajudantes são instrumentos como o fogo, a enxada, o arado e mais recentemente o adubo e a engenharia, que são usados até o ecossistema entrar em colapso."

Segundo Götsch este processo se repetiu com diferentes povos, dos maias e persas aos europeus, que se espalharam no mundo quando "conseguiram dominar os outros". Mas há exceções: "Impressionei-me com índios que vivem em áreas inundáveis no norte do Brasil. Para os jesuítas, são os mais preguiçosos. Uma família fica centenas de anos no mesmo quarto de hectare. Eles não precisam policiamento, de mercado. Têm tudo lá. Trabalham de 12 a 15 horas por semana, cantam e dançam." Ele aposta: "Terra ruim e pobre é só na cabeça da gente. Com 12 horas por semana, temos abundância em qualquer lugar no mundo."

O universo, diz Götsch, é a grande mãe. Abaixo, está a galáxia. Parte dela é o Sol, que ilumina a Terra, com todo seu instrumental chamado vida. "O Ser Humano é só uma parte pequenita desta vida. Não somos nós os inteligentes. Fazemos parte de um sistema inteligente."

Ele critica o pensamento racional, pelo qual entendemos aspectos e não o todo. "Só enxergamos aquilo que somos capazes de analisar: formas e, com muita sorte, função. Não entendemos o que está acima disto: a idéia e o espírito". Para Götsch, esse é um dos motivos para confundirmos os meios que a natureza tem, com causas. "Falam que a água foi causa do surgimento da vida. Na verdade é um meio. Sua circulação no Planeta corresponde à circulação do sangue num corpo".



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