Foi
uma visita ao Brasil, na década de 60, que mudou radicalmente a
vida de Ernst Götsch. Suiço, ele trabalhava em seu país
com melhoria genética de plantas, a ciência que hoje gera
tantas polêmicas por desenvolver os transgênicos.
Visitando o
Paraná, Götsch chocou-se com a devastação
das matas nativas de araucárias (pinheiro do paraná) e
a implantação de grandes monoculturas agrícolas,
que ele entende como desertos verdes. Concluiu: não é
o homem que deve modificar as plantas e os demais elementos da natureza
ao jeito que imagina ser bom cultivar. A natureza já oferece
tudo. Basta observar e aprender com ela.
Não vendo
mais sentido em seu trabalho de laboratório, o cientista buscou
novas alternativas. O preço da terra na Suiça era-lhe
inacessíveöl. Götsch comprou, no sul da Bahia, uma
propriedade rural, para onde se mudou. Para dar idéia da secura
do local, ele recorda que a pluviosidade não chegava a 1.500
mm por ano e boa parte das sete nascentes eram veredas, onde água
só corria nos curtos períodos chuvosos.
Como cultivar
naquele espaço? "Não posso esperar que onde existe sapé
(planta típica de áreas degradadas) logo cresçam
rabanetes", comenta Götsch, explicando que a regeneração
ambiental pode ocorrer naturalmente, mas levaria muitas décadas.
"Adubo é caro demais. Decidi acelerar o processo, usando a técnica
da professora formiga cortadeira."
Esta formiga
busca os terrenos mais compactos, Corta ervas e outras plantas, para
levar para dentro da terra. Resultado: melhora a qualidade do solo.
"Fiz a mesma coisa", diz, descrevendo seu procedimento: "Primeiro, cortei
o sapé, agradecendo pelo que ele já fez de bom para o
ambiente. Juntei esta biomassa (plantas picadas), formando ninhos
de matéria orgânica, onde comecei a plantar o mais rápido
possível, pois o pior é deixar o solo nu."
RECEITA BEM DIFERENTE...
Assim como,
receitas culinárias usam ingredientes que combinam entre si,
Götsch testou a combinação de espécies de
plantas que serviria ao seu objetivo: regenerar a área e, ao
mesmo tempo, sobreviver dos produtos da terra. Em outras palavras, as
plantas que teriam de frutificar rapidamente.
Formar mudas
é mais caro de que jogar sementes na terra. De novo imitando
a natureza, onde tudo se mistura, ele adotou um método que a
maioria dos agricultores consideraria loucura. Misturou sementes superdiferentes
- de hortaliças a árvores - para semear diretamente no
solo. O tamanho e peso das sementes varia de acordo com a espécie.
Para obter distribuição uniforme de variedades, ele acrescentou
à mistura um punhado de terra e água, formando uma massa
a ser colocada nas covas.
"Tenho
de trazer as espécies mais eficientes para resolver o caso, no
local onde estou atuando", explica Götsch, para sobreviver do que
planta, o mix de sementes deve ter vegetais de três grupos:
1- de ciclo de vida curto, como feijão (que já fornece
frutos em 2,5 meses); 2- médios, como guandu (planta leguminosa,
que ajuda na fixação do nitrogênio no solo), mandioca,
maracujá, e 3- de ciclo longo, como as árvores que levam
anos para crescer e dar frutos, como acácia negra, pau pereira,
ingazeira, tamboril. "As espécies devem ser adequadas às
condições do local", frisa.
Como plantar?
Um jeito é fazer linhas na terra, de metro em metro, onde ficarão
as covas com misturas de semente. No meio disto, pode-se cultivar uma
única variedade que forneça mais biomassa (matéria
orgânica) ao sistema. Em áreas degradadas, pode se usar
feijão de porco, planta rústica que ajuda a fixar o nitrogênio
no solo. Após a colheita do feijão, as plantas serão
cortadas, mas não retiradas, tornando-se matéria orgânica
para enriquecer o solo. Para completar, de oito em oito metros, dá
para incluir uma fila de árvores maiores, que fornecerão
sombra e frutos no futuro, como é o caso do abacate e da manga.
Götsch
discorda da teoria de que árvores devem ser plantadas distantes
entre si. Na natureza, lembra, vêm-se muitas nascendo juntas e
só as mais adequadas ao local chegam à idade adulta. "Posso
plantar de 35 a 40 mil árvores por hectare, e chegam a nascer
sete árvores por metro quadrado."
Resultado? Gradativamente
as plantas vão dando os frutos que nutrirão o agricultor.
Enquanto isso, as árvores vão ajudando a formar a agrofloresta.
RESULTADOS SURPREENDENTES
Após
dez anos de trabalho em sua terra, Götsch tinha a rica terra
preta, até 30 a 40 cm de profundidade, em vez do antigo latossolo
amarelo. O maior índice de pluviosidade na região de sua
propriedade era 1.800 mm ao ano. "Hoje no meu sítio ela supera
2.000 mm. Onde eu tinha veredas secas, hoje tenho córregos com
água."
Atualmente,
Götsch passa a maior parte do ano atendendo a convites para relatar
sua experiência e ensinar sua técnica de plantio. Não
se cansa de dizer: "Neste sistema trabalho com a natureza. Meu arado
é a minhoca, que além de trabalhar a terra, ajuda a mineralizá-lo.
Meu trator é o facão, de 20 polegadas. E outros ajudantes
também aparecem naturalmente, quando lhes dou condição.
Uso um princípio da Bíblia que diz: dar é melhor
que tirar. Enriquecer o sistema onde se intervém é mais
lucrativo de que explorá-lo."
Inimigo da monocultura,
ele conta com orgulho: "Em meu sítio, plantei mais 60 espécies,
elas são bondosas e trazem outros amigos. Por isso tenho 200
a 250 espécies de plantas por hectare."
COMBINAÇÃO DE ESPÉCIES
Na ciência
da agrofloresta, começa-se por um diagnóstico da área.
Acidez (pH), disponibilidade de fósforo e nitrogênio do
solo são elementos fundamentais para a escolha das espécies
certas para o local. "Devo considerar a disponibilidade no solo dos
diferentes elementos que plantas necessitam: os hidrocarbonos ajudam
a armazenar energia; o potássio forma a estrutura; nitrogênio
e fósforo são catalizadores em processos de transformação.
A água é o meio de transporte dos elementos."
Este é
desafio que Götsch propõe: "Imagine que você tem um
crédito de 5 semanas, para depois viver do que o local tem para
dar, até morrer. Só tem sementes, não tem dinheiro,
precisa de uma estratégia para errar menos." A resposta: escolher
a combinação certa de plantas para o local. À medida
em que o ecossistema for melhorando, introduzir novas plantas mais exigentes,
imitando a sucessão natural, que existe na natureza.
De tanto andar
pelo país, Götsch conhece o tipo de solo pelas plantas nativas
que observa. Exemplo: carrapicho é indicador de solo ácido.
Isto determina a escolha das espécies. Neste caso, começa-se
a montar a agrofloresta com espécies rústicas, que sobrevivam
num ecossistema degradado, sem adubação artificial, condenada
neste sistema.
Mais exemplos:
"Num solo ácido, de pH 4,2, posso plantar laranjeiras e, a cada
metro, uma ilha de verduras. As sobras da colheita das verduras, posso
misturar com restos de casa de cupim e esterco de galinha. É
ótimo fertilizante orgânico. Já num lugar úmido,
posso plantar bromélias, que dão frutos para comer. E
árvores, como jerivás e quaresmeiras."
Na mistura de
espécies, deve-se conhecer as amigas, que se desenvolvem
melhor quando plantadas junto. É o caso do milho e feijão,
que os índios já reuniam em suas roças. "Onde cresce
o milho, também dá capim elefante, que tem a maravilhosa
capacidade de mobilizar fósforo do solo."
O café
gosta de sombra. É amigo de árvores como a manga,
tamboril, samaúma, jequitibá. Mas, com a bananeira, só
conviverá bem por poucos meses. "Onde já tem bananal,
posso introduzir o abacate, que tem ciclo de vida mais longo e, no extrato
mais baixo, plantar taioba."
Obs: a entrevista
a Ernst Götsch e demais informações foram
obtidas no V Encontro "Florestas Nativas & Sistemas Agroflorestais",
organizado pela Agroecológica em agosto, com apoio da
AIPA.
|
|