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NOSSOS PEIXES ORNAMENTAIS

(Publicado no URTIGA 154 - janeiro/fevereiro 2003 - pags. centrais)

cardinal tetra (montagem sobre foto Proj. Piaba

Você sabia que, oficialmente, o Brasil exporta mais de 20 milhões de peixinhos de aquário por ano, quase todos coletados nos rios da Amazônia?


CAPITAL DO PEIXE ORNAMENTAL

ATIVIDADE SUSTENTÁVEL?

DO PIABEIRO AO AQUÁRIO

COMPRE UM PEIXE, SALVE UMA ÁRVORE

PAPEL DO IBAMA

MAIS:

MISTÉRIOS HISTÓRICOS

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Que nome você daria a uma excursão em que o grupo de pessoas que têm aquário em casa - quase todos norte-americanos - percorram de barco parte do Rio Negro, o maior tributário do rio Amazonas, para vivenciar o dia-a-dia dos piabeiros (coletores de peixes ornamentais)? Com um detalhe: os excursionistas sabem que parte do valor pago pela visita serve para apoiar um projeto de pesquisa e ações comunitárias voltados a estes coletores.

Se pensou gringo doido, acertou. Este é o nome de uma visita promovida durante vários anos, sempre no final de janeiro, que termina com a participação no Festival do Peixe Ornamental de Barcelos.

Antiga capital do Amazonas, Barcelos - situada a 396 km de Manaus - é o maior município do estado. Lá, a principal fonte de renda é a pesca de peixes ornamentais, destinados quase só à exportação. Só na coleta, há mais de 2 mil pessoas trabalhando. Apesar de pouco conhecida em outras regiões brasileiras, a festa de Barcelos atrai centenas de estrangeiros, inclusive os gringos doidos.

Estima-se que a Amazônia possua duas mil espécies de peixes ornamentais. O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) permite o comércio de apenas 182 espécies. E contabiliza que, só da região de Barcelos, saem cerca de 20 milhões destes peixes por ano. Detalhe: de cada 5 coletados, 4 são cardinais tetra (Paracheiroden axelrodi), peixinho vermelho e azul metálico brilhante que muitos chamam apenas de neon.



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ATIVIDADE SUSTENTÁVEL?

Piabeiros - Foto: Ning L. Chao - Projeto PiabaDesde sua descoberta na região do médio Rio Negro, há 5 décadas, o cardinal tetra é sucesso de vendas no mundo. Vale lembrar que o aquarismo é muito popular nos países avançados. Na Inglaterra, país campeão deste hobby, de cada 7 famílias, uma tem aquário em casa.

Em 1989, o ictiólogo Ning Labish Chao - pesquisador da Universidade Federal do Amazonas nascido na China e naturalizado brasileiro -, temendo que a superexploração dos peixes ornamentais levasse à extinção das espécies, iniciou pesquisas na região. Ele próprio se surpreendeu com o resultado.

Chao concluiu a Amazônia é maior que a exploração destes peixinhos que são, segundo ele, recursos naturais renováveis cujo estoque facilmente se refaz. Em outras palavras: extrair piabas da natureza, da forma como vem sendo feito, não levaria à extinção das espécies, pois eles existem em enormes quantias, além de se multiplicarem muito e rapidamente. Caso contrário, pergunta ele, como explicar que, com 20 milhões de peixinhos saindo de lá anualmente, há duas décadas, eles continuem tão numerosos?

Prosseguindo no raciocínio, ele ensina que a poluição da água ou desmatamento podem prejudicar o ambiente a ponto de colocar as espécies aquáticas em risco. Os coletores, diz ele, não querem matar a galinha dos ovos de ouro: são contra a devastação. Mas ele aposta: se a coleta for proibida, eles partiriam para outras atividades para sobreviver, o que poderia resultar na degradação ambiental.

Mesmo assim, Chao avisa que a atividade deve ser monitorada para não ultrapassar a capacidade de suporte da natureza. Foi dessas constatações que, em 1989, nasceu o Projeto Piaba, criado pela Universidade Federal do Amazonas com o Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas. Segundo o professor, este projeto atua em três áreas:

  1. estudo da biodiversidade e ecossistemas,
  2. técnicas para coleta, transporte e armazenamento que reduzam a mortalidade (hoje já inferior a 5%),
  3. apoio a piabeiros para garantir a renda no local de origem e educação ambiental para a população local.


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CADEIA PRODUTIVA

Para chegar ao objetivo, afirma o professor, é preciso trabalhar com toda cadeia produtiva da piaba. Que tipicamente tem seis elos:

  1. piabeiro (coleta o peixe),
  2. intermediário (leva as piabas a Manaus);
  3. exportador (vende o peixe a importadores de outros países);
  4. importador (recebe o peixe nos outros países);
  5. atacadista (compra do importador e revende às lojas);
  6. varejista (de quem o aquarista compra os peixinhos).

Em 2000, um estudo do pesquisador Ian Watson, do instituto inglês Natural Resources Institute, citando dados de outro pesquisador, Gregory Prang, destacou que, enquanto o piabeiro ganhava US$ 0.005 por cardinal em Barcelos, o consumidor final chegava a pagar US$ 2,00 numa loja dos EUA. Uma diferença de 40.000% entre as duas pontas da atividade! "Infelizmente, há pelo menos três anos, o coletor continua ganhando R$ 10,00 pelo milheiro de cardinais", lamenta Chao.

Piabeiros - Foto: NIng L. Chao / Proj. Piaba"Quem coleta peixes consegue cerca de R$ 150,00 mensais. Quem os leva até Manaus, ganha o dobro", confirma Roberto Leopoldino de Souza (Betão), presidente Colônia de Pesca de Barcelos. Ele reclama que, até o começo de 2003, só 266 pescadores puderam se filiar. É que a maioria tem, no máximo, certidão de nascimento.

Para entrar na Colônia, é obrigatório o registro profissional. Em compensação, a partir disso, tem-se direito ao seguro desemprego e aposentadoria rural. "No ano passado, 53 piabeiros já receberam seguro-desemprego na época do defeso", comemora, referindo-se aos quatro meses em que os peixes se reproduzem e quem coleta deve parar de trabalhar.

Entre os que apóiam a busca de documentação, está a Associação dos Exportadores de Peixes Ornamentais de Manaus (Acepoam). "Nós nos organizamos em 1990. Agora estamos apoiando a organização dos pescadores", comenta Asher Benzaken, sócio da Turkys Aquários e presidente da entidade empresarial.

Segundo ele, o negócio dos exportadores só tem a ganhar com a organização dos piabeiros. "Eles terão mais acesso a melhores métodos, poderão ganhar mais e nós, ofereceremos um produto de qualidade. A sustentabilidade ambiental também nos interessa, pois somos empresas familiares e queremos deixar o negócio para nossos descendentes."

Vale conhecer alguns números mundiais do setor, listados pelo mesmo pesquisador Ian Watson. Segundo dados da FAO (órgão da ONU), no mundo são comercializados 350 milhões de peixes ornamentais por ano. Só a exportação desses peixes soma cerca de US$ 186 milhões por ano. Mas o comércio varejista em torno dos peixes ornamentais é muito maior: mobiliza US$ 7,2 bilhões, o que inclui venda de equipamentos (como aquários) e de alimentos para os peixinhos.

De todos peixes de água doce vendidos a aquaristas amadores, 90% já provém de criações em cativeiro, em geral fora do país de origem da espécie. "São criações em aquários, que exigem altos investimentos, relativamente menos mão de obra e pouco contribuem para reduzir a pobreza", interpreta o pequisador, numa opinião coincidente à da equipe do Projeto Piaba.

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"COMPRE UM PEIXE, SALVE UMA ÁRVORE "

Paulo Petry é outro integrante do Projeto Piaba, hoje atuando no Field Museum, em Chicago, EUA. Ele defende uma tese que ele próprio reconhece ser polêmica entre preservacionistas. Para ele, vale à pena explorar certas espécies nativas como mecanismo de conservação, em vez de deixar as áreas intocadas.

Ele justifica com um exemplo: extraindo peixinhos ornamentais dos rios do Amazonas, haverá interesse econômico em preservar todo ecossistema onde eles vivem, garantindo-se ao mesmo tempo uma fonte de renda para a população local.

Cardinal tetra: do Amazonas ao aquário - Foto: Projeto Piaba"No Brasil, fala-se da exploração de peixes ornamentais em tom negativo", reclama, interpretando que a outra solução, de criar peixes em cativeiro para venda, prejudicaria comunidades tradicionais e o país. "Vários paises asiáticos - como Singapura, Tailândia, Indonésia - já produzem peixes brasileiros e logo dominarão o mercado internacional destas espécies" diz prevendo que "populações ribeirinhas daqui perderiam a atividade econômica disponível. E desapareceria um argumento econômico para justificar a proteção da floresta".

Para ele, a extração dos peixes ornamentais no Rio Negro atende às premissas da Convenção Internacional da Diversidade Biológica, que propõe o uso da biodiversidade como recurso econômico, desde que 1- a exploração não cause danos irreparáveis às espécies; 2- as comunidades guardiãs do recurso recebam parte da receita gerada pela atividade extrativa.

Destas colocações surgiu o slogan do projeto: Compre um peixe, salve uma árvore. "O próximo passo é criar uma simbologia em torno das espécies ornamentais, transformando cada peixinho de aquário num embaixador de uma idéia conservacionista. Os aquaristas entenderão e disseminarão a mensagem", diz

Petry vai mais longe, propondo: se já existe a pesca esportiva controlada para peixes comestíveis, como o tucunaré, por que não fazer algo parecido para os gringos doidos, interessados nos ornamentais? No sistema defendido pelo pesquisador, turistas poderiam comprar licenças emitidas pelo Ibama para coletar alguns peixes ornamentais, que seriam vistoriados antes de receberem autorização de exportação. A prefeitura receberia uma taxa por isso, treinar-se-iam guias locais para acompanharem os turistas, incentivar-se-ia a indústria hoteleira, gerando empregos na comunidade.

Até hoje, turistas não receberam autorização do Ibama para coletar e levar peixinhos. Não é a única questão legal que deve ser revista, na opinião de Petry. Para ele, a própria lista de espécies que podem ser comercializadas está defasada. "Só o Rio Negro tem entre 200 e 300 espécies de peixes com valor ornamental. Menos de 60 são efetivamente exploradas e, destas, 4 perfazem quase 95% do volume comercializado".

Ele recorda que houve um esforço para rever a lista, através da criação de uma comissão de especialistas nomeada pelo Ibama em 1996: "Produziu-se uma lista para discussão, e ficou nisso"

(fotos: Ning L. Chao - Projeto Piaba)

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PAPEL DO IBAMA

Lamentando a falta de pesquisa sobre a real capacidade de suporte para a extração de peixes nativos, José Leland, gerente-executivo do Ibama no Amazonas, relatou, em janeiro, medidas que o órgão governamental decidiu tomar em relação aos peixes ornamentais.

Uma delas foi expandir a área de coleta: “Nos últimos 35 anos, vêm se explorando relativamente poucas espécies, que saem só de Barcelos e a vizinha Santa Isabel. Para evitar a pressão sobre uma única região e distribuir a renda gerada pela atividade, estamos abrindo a coleta para todo Estado do Amazonas.”

Segundo ele, o Ibama está, sim, estudando a ampliação da lista de peixes nativos passíveis de exportação. “A demanda por esses peixes é tanta, que algumas espécies cuja exploração é proibida aqui são contrabandeadas para a Colômbia, de onde saem para os outros países”, diz, entendendo ser esta a explicação para a exportação de ornamentais colombiana ter subido de 400 mil dólares, para U$ 8,6 milhões em 6 anos.

Leland é otimista, ao contar que houve um saneamento do setor, “No início dos anos 1990, o Ibama começou a fiscalizar dos exportadores. Estabelecemos padrões de qualidade para seus equipamentos, entre outras exigências. Há dez anos, eram 72 empresas exportadoras registradas, que não investiam em tecnologia ou empregos. Restaram oito, que têm trabalhado conosco”, diz, referindo-se aos filiados à Acepoam.

 

 

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