Autor de
uma extensa pesquisa sobre a questão social em torno dos peixes
ornamentais do Médio Rio Negro e integrante do Projeto Piaba,
Gregory Prang descreve mistérios que envolvem a descoberta
do cardinal tetra.
Tudo começou com rumores, no início da década
de 1950, de que um “novo neon” teria sido descoberto na bacia do Amazonas.
Numa carta de 1953 para um colega alemão, um pesquisador do
Instituto Agronômico do Norte em Belém, Harald Siole,
relatou que percebera lindos peixinhos brilhantes nas águas
marrons do rio Negro, que inicialmente pensou serem neon tetras (Hyphessobrycon
innesi).
Comentou o fato com pelo menos duas pessoas, Dietrich Horie, de
Belém, que trabalhava com a Paramount Aquarium, e o Capitão
Mauro, piloto da Panair entusiasmado por peixes ornamentais, que fazia
vôos semanais para a região. Este último, teria
dito que já tinha pedido a índios encontrarem este peixinho
para ele.
A história diz que o Capitão vendia cardinais para
colecionadores paulistanos e cariocas em 1957. Mas um depoimento da
alemã Amanda Bleher indica a existência destes peixinhos
em São Paulo, já em 1953. Ela foi a primeira pessoa
que levou esta espécie para a Europa.
DUPLICIDADES
Mais
um mistério: em 1956, os primeiros cardinais chegaram aos EUA,
porém há dúvidas sobre quem foi o autor da proeza:
Fred Cochu, do Paramount Aquarium, ou Herbert Axelrod, a quem muitos
atribuem não apenas este feito, como também a descoberta
do cardinal tetra para o mundo. Numa carta pessoal que Prang localizou,
Axelrod diz saber que seus concorrentes jamais revelariam de onde tiraram
o cardinal.
A duplicidade não
para aí. Em 1956, duas revistas especializadas publicaram simultaneamente
descrições do nosso peixinho, conferindo-lhes dois nomes
científicos diferentes. A comissão de nomenclaturas zoológicas
teve de ser acionada, e acabou por optar pelo nome: Cheirodon axelrodi.
O exato ponto onde viviam os
peixinhos permaneceu um mistério. Prang localizou um documento
justificando o fato: se se revelasse de onde vinham os cardinais, 159
outros importadores iriam encontrá-lo, quebrando a exclusividade
da Paramount e, com isso, o valor comercial.
Prang conclui que, apesar de
hoje se dizer que Axelrod descobriu o cardinal, foi Harald Sioli quem
o localizou, numa época em que os próprios exploradores
coletavam os peixes, vendendo o que conseguiam carregar.
Só no final da década
de 1950, informa a pesquisa, o comércio começou a se organizar
de uma nova forma, aproveitando-se sempre das linhas aéreas que
ligavam Mauaus aos EUA.

MUDANÇAS NO SISTEMA EXTRATIVO
Axelrod
teve um papel importante para o crescimento do setor. Em 1958, o indianista
Harald Schulz, apresentou-lhe Hans Willy Schwartz, com quem Axelrod
se associou para fundar a primeira empresa de exportação
formal, Aquário Rio Negro, em Manaus, que hoje existe com outro
nome: é a Turkys, do atual presidente da Acepoam (associação
local dos exportadores).
Se a criação
do escafandro, por Jacques Cousteau, foi fundamental para incrementar
exploração do fundo do mar (facilitando, para a decepção
do inventor, até sua super-exploração), a descoberta
de alguns instrumentos impulsionou o comércio internacional dos
ornamentais, como o uso de saco plástico para transportá-los,
onde, além da água, insere-se um suplemento de oxigênio.
Mais um dado interessante do
estudo de Prang: o início do ciclo de coleta de cardinais na
Amazônia coincidiu com a decadência da exploração
do látex na Amazônia. Para as famílias que não
deixaram a região, a extração de piabas transformou-se
em perspectiva de renda.
Pagava-se pouco ao piabeiro,
mas não mais como no antigo sistema de aviamento, quando havia
um único comprador para o produto, que também era dono
da venda, comercializando produtos básicos por preços
escorchantes.
Segundo Prang, o piabeiro -
apesar de sempre receber muito pouco pelo produto de sua coleta - deixou
de ser obrigado a vender para um único comprador, e a fazer suas
compras do dia-a-dia na venda deste intermediário, como ocorre
em regime de semi-escravidão. “Muitas vezes, o intermediário
que compra do piabeiro para vender em Manaus é parente de quem
coleta os peixinhos”, complementa o professor Ning Chao, apresentando
mais uma faceta desta complexa atividade
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