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SURPREENDENTE MATA BRANCA(Publicado no Urtiga 160 - janeiro/fevereiro 2004- pags. centrais) |
Quem não conhece a caatinga – um bioma exclusivamente brasileiro que ocupa 800 mil km do país nos estados do Nordeste e norte de Minas Gerais - relaciona o local com vegetação pobre, pouca fauna, gente faminta. Uma visita à região revelará o contrário. Em tupi-guarani, Caa-tinga significa mata branca. É por causa de uma característica especial das suas árvores. Para se defenderem da falta de chuvas durante o verão (abril a setembro), elas perdem as folhas. Restam os troncos, que dão o tom branco-acinzentado ao ecossistema. Basta cair um pouco de água dos céus, e o verde volta à mata, enchendo-se de flores. Permanece assim, durante todo o inverno (outubro-março).
Um dos extratos arbóreos da caatinga chama-se carrasqueiro. A vegetação, bem fechada, de até 15 metros de altura, inclui as espinhentas jurema-preta. Não é à toa que vaqueiros da região, para se protegerem dos espinhos, usem roupas de couro. Muitas plantas da caatinga têm folhas miúdas, ou pontiagudas como alfinetes, que por isso perdem menos água, sobrevivendo melhor à seca. Outras plantas têm folhas revestidas por um tipo de cera, que reduz a evaporação. Na região, também reinam diferentes espécies de lianas, cactus e muitas bromélias, todas com boa capacidade de reter água. Plantas rasteiras escondem-se da seca como bulbos enterrados, renascendo sempre no período de chuvas.
Como um todo, a caatinga fica em locais planos ou de relevo suave, às vezes interrompida pelos inselbergs, ou seja, montanhas de rocha, como as na Serra da Capivara. Uma surpresa, neste bioma, é o que sertanejos chamam de brejos. São áreas mais férteis, em locais mais altos (chapadas ou serras), que parecem oásis, por sofrerem menos secas. Este sertão já foi mar. Indícios mostram que entre 225 e 210 milhões de anos atrás, um fenômeno geológico “levantou” o nível do solo da região, coberta pelo mar, criando a atual configuração. Por muito tempo, o clima de lá foi úmido, e a região, toda coberta por florestas. Lançado no final de 2003, o livro Ecologia e Conservação da Caatinga, escrito por 35 cientistas, e publicado pela The Nature Conservancy (TNC) e Conservação Internacional (CI-Brasil) com financiamento do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), retrato a vida da caatinga, revelando muitas surpresas. Para quem imaginava que os períodos secos geraram uma pobreza da fauna e flora, o livro revela a identificação de 932 espécies de plantas. Entre aves, chegou-se a 516 espécies, das quais 469 espécies se reproduzem na caatinga.
O livro lista ainda 143 espécies de mamíferos (como o sagüi-do-nordeste, o veado catingueiro, gambá, e muitos morcegos), 185 espécies de peixes (uma das maiores surpresas, já que parte dos rios desaparece na seca), e 154 espécies de répteis e anfíbios. Um estudo anterior, de 2001, apontava que, entre 41 espécies de lagartos e cobras-de-duas cabeças (anfisbenas), 16 são exclusivas da caatinga (endêmicas) Cientistas e técnicos recomendam proteger por lei pelo menos 10% de cada bioma. Colocada entre as áreas menos estudadas, a caatinga é também uma das menos protegidas. De sua área total, menos de 2% estão hoje em unidades de conservação, amparo legal para ecossistemas.
O Parque Nacional da Serra da Capivara, com 130 mil hectares, é uma destas unidades de conservação. Administrado por uma parceria entre a Fundação do Homem Americano (Fumdham) e Ibama – hoje ameaçada pela falta de verba -, ele protege uma das mais importantes áreas arqueológicas das Américas, e seu entorno, num raio de 10 km. Além de ter recebido o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, da Unesco, a área pode se tornar também Patrimônio Natural da Humanidade. Uma de suas atrações naturais é o Baixão das Andorinhas. No fim da tarde, turistas espantam-se, observando estas aves. É que elas alcançam seus ninhos, encravados em buracos das formações rochosas, voando a 120 km por hora. (Fotos: Arquivo Fumdham/2001) |
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