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CAMINHOS DA RECICLAGEM(Publicado no URTIGA 166 - julho/agosto 2004- pags. centrais) |
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2001: NASCE A COMAREI
Tudo começou, recorda Valéria Rusticci, educadora ambiental do Saae (Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Itu, vinculado à Prefeitura) e primeira presidente da Comarei, com um movimento na Paróquia São Judas para apoiar os mais carentes. Muitos desempregados, explica, sem opção, tornavam-se catadores de lixo. Estruturar uma cooperativa foi uma saída que ganhou o apoio da administração municipal em 2001. Segundo Valéria, por uma questão de "dignificação humana", desde o início não se aceitou que cooperados continuassem trabalhando com carrocinha. "Conseguimos caminhões para fazer a coleta. Assim, eles recebem os materiais na sede da cooperativa, cuidando da triagem, prensagem e comercialização", relaciona. Sede esta na Vila Lucinda, cedida pela prefeitura em comodato (empréstimo gratuito do terreno) por 40 anos. Quem entra na Comarei, avisa ela, segue normas: horário de trabalho, uso de uniforme e luvas, filhos na escola, pagamento quinzenal (sucateiros pagam na hora da entrega do material), havendo controle para que o cooperado ou dependente continue não usando "por fora" o carrinho, fora do expediente. Sem citar nomes, ela conta que empresas doam cestas básicas aos cooperados e voluntários oferecem apoio médico e psicossocial. Com isso, conclui a ex-presidente, chegou-se aos 45 cooperados de hoje, 35 dos quais atuando na sede da Comarei. Os demais são "cooperados B", pessoas designadas para trabalhar diretamente em empresas ou órgãos parceiros. É o caso de um shopping ou da prefeitura, que cedem os recicláveis em troca de terem alguém da Comarei, de uniforme, cuidando da coleta e ganhando por produção (quantia de materiais recolhidos). PARTICIPAÇÃO DA EPPO
Dois caminhões a serviço da Comarei desde seu início são da Eppo Engenharia e Meio Ambiente, empresa contratada em 2001, em caráter de urgência, para assumir a coleta de lixo domiciliar em Itu e que, em 2003, assinou contrato para prestar este serviço até 2008. Historia seu diretor-presidente, José Carlos Ventri, que o envolvimento da concessionária de limpeza pública não se resumiu ao transporte dos recicláveis. Na verdade, conta o empresário, foi a Eppo quem levou à prefeitura a concepção de uma cooperativa de catadores. "Em 2001, nós apresentamos uma proposta para o governo municipal, que representa um gerenciamento complexo da limpeza pública, pois compreende coleta do lixo, varrição, operação do aterro e reciclagem". Os veículos com que a Comarei chega aos bairros são a parte mais visível do suporte da empresa, que incluiu viabilizar a estruturação do espaço físico e assessoria jurídica. "Tivemos apoio maciço de funcionários públicos inculados ao meio ambiente, na divulgação", acrescenta o diretor. Não por acaso uma concessionária de lixo apóia a formação de cooperativa de catadores, raciocina Ventri. "Nosso interesse é a redução de volume do que chega ao aterro, o que prolonga sua vida útil. Também, eliminando o material reciclável, ganha-se em velocidade no uso das máquinas", ensina. Em números redondos, avalia o empresário, desde 2001 a Eppo investiu R$ 4 milhões em Itu. Boa parte foi para recuperar o aterro sanitário, que ganhou camadas impermeabilizantes de argila e polietileno de alta densidade, drenos para escoar o chorume (líquido da decomposição do lixo) e escapes de gás. Também se montou uma frota de caminhões com alta tecnologia, e a coleta do lixo de serviços de saúde, que abrange caminhão especial, auto-clave (método de esterilização) e estação de transbordo para receber o material, levado semanalmente a Campinas. Ventri aposta na educação ambiental como meio de trazer melhorias ao município. Um quarto dos investimentos da Eppo em Itu, estima, foi responsabilidade social. Isto compreende a formação profissional e promoção de atividades que melhoram a auto-estima dos funcionários. Também inclui a Comarei, cujos investimentos, ele calcula que estão na faixa de R$ 100 mil. DIA A DIA
É difícil alguém de mais idade e pouco estudo achar emprego. Desempregado aos 55 anos, Anísio Oliveira candidatou-se a entrar na Comarei em 2001. Quando aceito, a entidade tinha 5 meses. Casado, pai de dois filhos, um neto hoje com 7 anos, ele abraçou a oportunidade e acabou se tornando o primeiro catador presidente da entidade, cuja maioria é de mulheres. "Elas se adaptam mais no serviço de triagem e às nossas normas", justifica. Segundo Anízio, a Comarei coleta 250 toneladas de recicláveis por mês, em média. Consultados por Urtiga, vários especialistas impressionaram-se com a expressiva quantidade. Mas, tanto o presidente, como Valéria Rusticci, acham pouco: "Se todos colaborassem, poderíamos coletar o dobro e ter mais gente conosco", diz ele. Os recicláveis que a Comarei recebe, explica Anízio, são metais (ferro, alumínio, etc), plásticos (pet, pvc, entre outros), papéis (cartolina, papel jornal, etc), vidros de várias cores e mais dois materiais cujo potencial poucos conhecem. Um é óleo de cozinha usado, matéria prima para uma empresa de Salto produzir sabão, e ingrediente de rações animais. A Comarei vende cerca de 300 litros por mês. O outro é isopor, levíssimo, que ocupa enorme espaço, e por isso raramente encontra interessados. A cada 3 semanas, revela Anízio, a cooperativa junta 50 m3, quantia que atrai uma compradora paulistana. Mas ele avisa: a empresa rejeita bandejinhas de supermercados que, se chegam à Comarei, são enviadas ao aterro de Itu. Papel é campeão da Comarei, em peso coletado, afirma Anízio. Por mês, chegam mais de 50 toneladas. Isso compensa o preço mais modesto. Por exemplo, papel jornal é vendido por R$ 0,07/kg. Por ser mais leve, o mesmo peso em plástico ocupa bem mais espaço. Mas compensa. A cooperativa coleta até 15 toneladas mensais, vendidas acima do valor de mercado: R$ 1,00/kg. Anízio orgulha-se ao contar que o preço é alcançado, mesmo sem separação por tipo de plástico. Separação por cor e tipo também não ocorre com vidros: "Tem um mercado paralelo de frascos vazios de produtos famosos, usados por falsificadores de perfumes e bebidas. Para evitar, vendemos tudo junto para indústrias de reciclagem", ensina Anízio, mencionando a coleta mensal de 12 toneladas. RESULTADOS E DESAFIOS Hoje, a renda média dos cooperados é R$ 250 por quinzena, diz o presidente da Comarei. Além deste valor, a cooperativa lhes garante o pagamento de INSS, como autônomos. Usando espaço cedido, a entidade tem, como custos fixos, despesas do dia-a-dia, como luz, água, óleo diesel. Atualmente, avisa Valéria Rusticci, o apoio da prefeitura resume-se a ações como cursos de cooperativismo, cessão do uniforme, e atividades que favoreçam a adesão da população ituana, coordenadas por ela e Maria Valéria Padovani Nunes. Hoje, informa a funcionária do Saae, a Comarei é órgão independente, sem vínculo com o poder público, que precisa prestar contas apenas aos próprios cooperados sobre resultados da coleta.
E quais as principais dificuldades? Todos entrevistados foram unânimes em denunciar a concorrência de catadores avulsos. Apesar da lei municipal 314, de 2002, ter proibido a catação de recicláveis por pessoas não cadastradas, pessoas alheias à Comarei continuam a burlar de "maneira assustadora" a lei, assegura Rusticci. Há sucateiros, exemplifica ela, que emprestam carrinho ao catador avulso e compram sua sucata a preços mínimos, sem ligar se é para "pagar a pinga". Caminhões de Salto e outros municípios, retirando materiais antes da cooperativa, completam o quadro. Com isso, às vezes os cooperados gastam combustível e tempo para nada recolher. "O sistema mafioso contribui para a má imagem da Comarei, como monopolizadora da coleta seletiva", interpreta ela. É difícil prever quantos catadores há em Itu, avisa a especialista. Quem se registrou em 2001 pode hoje estar empregado em outras áreas. Por outro lado, muitos fugiram do cadastramento pela Guarda Municipal, por temer prisão e afastamento da atividade, supostamente ilegal. Seria a razão para a prefeitura ter só 78 catadores cadastrados, enquanto o Fundo Social de Solidariedade listou cerca de 150 famílias na atividade. Correndo por fora, há a lista de espera para ingressar na Comarei. Em princípio, a cooperativa é aberta a novas adesões, explicam Valéria e Anízio. Mas elas só são aceitas, quando surge trabalho (ex: aumento de coleta). "O que coletamos não comporta mais cooperados", justifica Anízio, citando fila de espera de até 80 pessoas. Artigo do deputado Hamilton Pereira (PT) na internet reforça a informação: pela concorrência entre catadores avulsos e cooperativados, a Comarei "teve de dispensar três catadores devido à redução na coleta, porque os não cadastrados passam antes do caminhão da cooperativa e recolhem o material". PERSPECTIVAS
Hoje, a Comarei cobre a maior parte do município. Não chega à zona rural no Piraí, ao Pirapitingui, Village Castelo, City Castelo, Portal do Éden. Pelo impedimento de tráfego pesado, o centro da cidade também é área exclusiva de avulsos. Se o centro de convivência da entidade está quase pronto, não há planos de ir além da triagem, por exemplo, fazendo flakes (plástico moído). São tantas as exigências ambientais da Cetesb, diz Rusticci, que sairia caro demais. Por outro lado, uma recicladora de plástico se instalará em Itu e propôs convênio para usar mão de obra da Comarei. "Isto abrirá de 15 a 20 vagas, para cooperados B, que ganham por produção". Para as educadoras do Saae, o ideal é que filhos não sigam a vida de catadores dos pais. Quando surge oportunidade como esta, jovens são indicados, por ser porta para o mercado formal de trabalho em outras áreas. A formação da cultura de meio ambiente, a partir das escolas é um dos pontos chaves para avançar, opina José Carlos Ventri, da Eppo, que foi desafiado pelo prefeito Herculano: a proposta da prefeitura, informa Ventri, é do município conquistar, em dois anos, 100% da reciclagem.
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