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Se
você nunca ouviu falar de um ecossistema sofrendo stress de
água, logo ouvirá. Trata-se de uma expressão
divulgada pela Unesco, para definir o índice de escassez de água
de um país ou região. Num documento divulgado pelo seu
site na Internet, a instituição descreve quatro níveis
de water stress:
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DEFINIÇÕES E NÚMEROS As
definições não param por aí. Outro termo
- segurança hídrica - foi uma das chaves do II Fórum
Mundial da Água, encerrado em 22 de Março, Dia Internacional
da Água, na Holanda. Ministros de mais de cem países lá
estavam, para discutir como garantir o suprimento de água no
século 21, com qualidade e quantidade suficientes. Como se sabe,
97,5% da água do Planeta é salgada. Dos 2,5% de água
doce, a maior parte está presa nas geleiras da Antártida
e Groenlândia. O mínimo que resta sofre várias ameaças.
Apesar disso, usa-se
mal uso este líquido vital. De acordo com relatórios internacionais,
desperdiçam-se até 60% na irrigação agrícola.
Nas cidades, as perdas chegariam a 50%, por exemplo pelos vazamentos
entre o ponto de coleta e a torneira de quem consome. Indústrias
também erram: muitas vezes água puríssima serve
para atividades menos nobres, como resfriar máquinas. Para completar,
a poluição aumentou tanto, que os rios e lagos não
têm capacidade de absorver a sujeira que recebem. Esta poluição,
que começa com o despejo de dejetos nos rios e lagos, acaba nos
mares e oceanos. Segundo a Unesco, 80% da poluição marinha
é consequência da contaminação dos rios.
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EFEITOS DA ESCASSEZ Odrama
não pára aí. A estimativa dos órgãos
internacionais é que 5 milhões de pessoas morrem por ano
por doenças relacionadas à poluição hídrica,
como cólera e diarréia. Os efeitos são também
para a vida animal: por exemplo, cientistas observaram aves que nascem
defeituosas, devido à contaminação.
Se o diagnóstico é dramático, as soluções
são polêmicas. O documento resultante da II Fórum
Mundial da Água tem pontos com os quais todos concordam: a água
é vital para a manutenção da saúde de pessoas,
para o equilíbrio dos ecossistemas e para o desenvolvimento dos
países, mas hoje uma parte da população mundial
não tem acesso à água limpa. Além disso,
os recursos hídricos e os ecossistemas que os mantém sofrem
com a poluição, uso não sustentável do solo,
mudanças climáticas, entre outros. O desafio é
garantir água limpa suficiente e a proteção dos
ecossistemas.
É nas soluções que começam as divergências.
O documento do Fórum Mundial defende a valorização
da água, isto é, que seu gerenciamento reflita valores
econômicos, sociais, culturais, ecológicos. Traduzindo:
que os recursos hídricos ganhem um preço, a ser pago por
quem consome.
Na outra ponta, o International Rivers Network (IRN, ou Rede Internacional
das Águas) lançou manifesto criticando estas conclusões.
Para esta organização, o problema maior não é
a escassez e sim o mau gerenciamento. E isto se deve a políticas
e financiamentos propostos pelos mesmos órgãos que dão
suporte à Comissão Mundial da Água (organizadora
do II Fórum), como Banco Mundial e Global Environment Fund (GEF).
Falando em administração corrupta do setor, o IRN propõe
que se comece por localizar obras erradas, como gigantescas represas,
para reparar os impactos negativos e, quando possível, desfazê-las.
Outro ponto é a valorização dos pequenos. Ou seja,
dar suporte a projetos e tecnologias aplicáveis em menor escala,
priorizando sempre o acesso à água para as pessoas nas
comunidades locais
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POR TRÁS DOS DISCURSOS No
Brasil, Christian Caubet é um dos ambientalistas que mais conhecem
a política das águas. Professor universitário e
dirigente da Fundação Água Viva, ele é suplente
das ONGs no Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Para explicar
o II Fórum Mundial, ele relata a origem da Comissão Mundial
da Água (CMA) que organizou o evento. Criada em 1998, esta Comissão
resulta dos esforços de governos (como França, Canadá
e Holanda), Banco Mundial e participação de diversas empresas.
Teria como objetivo avaliar a situação dos recursos hídricos,
definindo uma política mundial da água.
Num documento distribuído por e-mail antes do II Fórum,
Caubet previu qual seria a conclusão do evento: "propor que a
água seja considerada como um bem econômico, elemento de
um mercado global administrado sob a batuta de quem entende,
que são os mesmos que organizam a parafernália: Fundo
Monetário Internacional, Banco Mundial, Organização
Mundial do Comércio". No texto, Caubet avaliou a situação
brasileira: "a nossa legislação já cravou, pela
Lei 9433 que a água é um bem público dotado de
valor econômico."
Vale lembrar: entre nós, até agora a conta de água
não se refere à água em si, mas aos serviços
prestados, como distribuição e abastecimento. Pela Lei
das Águas, de 1996, o gerenciamento do setor caberá aos
Comitês de Bacias, constituídos por representantes dos
governos e usuários da água. Os comitês instituirão
Agências de Água, responsáveis pela cobrança
pela água.
Caubet lançou um protesto no mesmo e-mail: "acontece que eu,
no Brasil, não sou usuário, sou consumidor. Usuária
é a companhia que capta, distribui e cobra, me repassa, sem que
eu possa dar um pio. O sistema que está sendo implantado no Brasil
é de delegação de prerrogativas do poder público
a entidades privadas com finalidade de lucro. Não quero deixar
os usuários da água, segundo a lei nossa, administrar
e decidir por mim, sem mim. Eu quero gerir a minha água, a água
de uso comum do povo, a única água que existe." |
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